• Deputados cogitam votar mudanças ponto a ponto e desprezar trabalho de quatro meses
Júnia Gama e Isabel Braga – O Globo
BRASÍLIA - A reforma política deve começar a ser votada esta semana deixando de lado o trabalho de quase quatro meses da comissão especial criada em fevereiro para analisar o tema. Mesmo com a disposição de alguns dos integrantes do colegiado de votar hoje o relatório produzido por Marcelo Castro (PMDB-PI), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apoiado por parte significativa de deputados - à exceção do PT e do PSDB -, já definiu estratégia para que o texto seja ignorado em plenário.
Ainda que a comissão acabe votando o relatório, Cunha trabalhará pela apresentação de um destaque, de preferência uma emenda aglutinativa global que se sobreponha ao relatório. A estratégia será votar artigo por artigo sobre os temas-chave da reforma: sistema eleitoral, financiamento de campanha, reeleição (se acaba ou não com o instituto), tamanho dos mandatos, coincidência das eleições, entre outros.
A pesada investida a favor do distritão como sistema eleitoral tem na linha de frente o vice-presidente Michel Temer, articulador político do governo, que desde o início do ano mobiliza deputados a favor do modelo. Mas, a decisão sobre o sistema eleitoral ainda é uma incógnita na Câmara. A escolha do distritão, segundo o qual se elegem os candidatos mais votados para ocupar as cadeiras de deputados e vereadores, pode esbarrar em uma aliança pontual entre PT e PSDB.
Integrante da comissão especial que analisa o tema, o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) afirma que o colegiado tentará, nesta reta final, se enquadrar à dinâmica pretendida pelos líderes para evitar que o relatório produzido sequer chegue a ser analisado. Na semana passada, Eduardo Cunha definiu com os líderes partidários a ordem de votação de oito temas da reforma em plenário. O primeiro ponto a ser abordado será o sistema eleitoral, seguido do financiamento das campanhas eleitorais.
Deputados divididos
Em uma reunião marcada para as 14h de hoje, a comissão especial tentará aprovar artigos sobre esses mesmos assuntos para evitar ter seu trabalho desautorizado pelos líderes. Há previsão, no entanto, de resistências no próprio colegiado, já que o presidente da comissão, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), não concorda com pontos-chave do relatório e também prefere levar a votação direto para o plenário.
- Temos conversado com vários partidos que defendem o voto distrital misto e há um temor muito grande de patrocinarmos um imenso retrocesso com um sistema que vai elevar à última potência o individualismo e a personalização da política brasileira, quebrando todos os elos institucionais e partidário - disse Pestana. - Acho que vai haver intensa mobilização na segunda e terça de manhã para que haja um relatório que ordene a discussão no plenário. Qualquer proposta precisa de 308 votos para ser completamente aprovada - completou.
O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que também é membro da comissão especial que analisa a reforma política, diz que o PT tentará até o último momento evitar a aprovação do distritão. Para isso, o petista conta com as divisões, inclusive no PMDB, a respeito do sistema eleitoral.
- Vai ter o relatório. Vamos votar contra o distritão, não sei se vamos ganhar. Vai ser uma votação apertada. O Temer entrou de cabeça para aprovar o distritão, vice-presidente sempre tem força, mas não sei se vai ser suficiente para ganhar. Os deputados vão votar de acordo com aquilo que acharem melhor. Tem várias pessoas, inclusive no PMDB, que são contra. Está bastante dividido - afirma o petista.
Cunha desautorizou relator
Cunha agilizou o andamento da reforma política em fevereiro, um dos seus primeiros atos para afrontar o PT, que segurava a votação do tema na CCJ. Ele aprovou a admissibilidade em plenário, criou a comissão especial e indicou o relator Marcelo Castro (PMDB-PI), que agora está sendo "atropelado". A comissão ouviu especialistas, visitou estados para debater o tema e terminou ouvindo os presidentes de partidos.
Quando percebeu que o sistema distrital misto poderia vencer na comissão, Cunha chegou a defender a saída de Marcelo Castro. Mas a bancada do PMDB, apesar de votar majoritariamente a favor do distritão, não topou fechar questão e constranger o relator. O extenso relatório toca em temas polêmicos, que dificilmente conseguirão consenso no plenário. Cunha tem agido para levar direto a plenário porque se a comissão não votar, ele pode indicar outro relator para dar o parecer.
A votação da reforma na comissão já foi adiada duas vezes. Cunha e o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), pressionaram o quanto puderam Marcelo Castro, que acabou incluindo o distritão no relatório, mas ao mesmo tempo anunciou que votaria contra seu próprio relatório.
Não está descartado que, devido à falta de consenso nos temas mais polêmicos, como o sistema eleitoral e o financiamento de campanha, acabe não havendo mudanças e permaneçam as regras atuais. Isso porque o número de deputados para aprovar cada uma dessas medidas é 308, e alguns deputados acreditam que dificilmente ele será alcançado em determinados assuntos.
- Faço uma aposta de que vai ter pouca coisa aprovada. Talvez só o fim da reeleição e a nova regra de financiamento misto, mas com limites, proibições e regras de transparências. Acredito que o distritão hoje tenha apoio de uns 270 deputados e o distrital misto, de uns 200. Mas, muita decisão vai ocorrer na última hora e pode ser que nenhuma mudança no sistema eleitoral seja aprovada - acredita Pestana.
O fim das coligações proporcionais e a instituição da cláusula de desempenho são itens que podem ficar de fora dessa etapa da reforma política, já que as posições são divergentes entre os deputados. Em seu relatório, Marcelo Castro prevê uma transição nas duas próximas eleições, em 2018 e 2022, para a adoção da cláusula de desempenho. Pelo texto, somente a partir de 2027 valerá por inteiro a cláusula de desempenho partidário, segundo a qual só terão direito a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão os partidos com representação no Congresso que obtiverem no mínimo 2% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com, no mínimo, 1% do total em cada um deles.
Principais pontos do relatório da reforma política
Sistema eleitoral
Modifica o sistema eleitoral atual, adotando o distritão para eleição de deputados e vereadores. Pelo sistema, são eleitos os mais votados em cada estado (deputados) e município (vereadores).
Financiamento de campanha
Mantém o financiamento misto de campanhas, como é hoje. Mas só permite a doação de empresas aos partidos, e não mais aos candidatos. Diz que partidos e candidatos não poderão arrecadar e gastar recursos de campanha sem tetos de gastos e de doações. Remete para lei fixar o teto de doações de pessoas físicas e jurídicas e de despesas com as campanhas de cada cargo ( teto das campanhas).
Duração dos mandatos
Aumenta de 4 para 5 anos os mandatos do presidente e vice-presidente da República, governadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores. O mandato de senadores, hoje de 8 anos, também passará a ser de 5 anos.
Coincidência de eleições
Propõe unificar as eleições no país. A partir de 2022, será realizada uma única eleição para todos os cargos eletivos e não como é hoje, com eleição em ano diferente para prefeitos e vereadores.
Suplência de senadores
Adota PEC já aprovada pelo Senado que mantém o suplente eleito sem voto. Hoje são permitidos dois suplentes. Pela nova regra, o senador terá um único suplente, que não poderá ser seu cônjuge ou parente até o segundo grau.
Mandato tampão para prefeitos e vereadores
Como a ideia é unificar as eleições, o projeto propõe mandato tampão de 6 anos para prefeitos e vereadores eleitos em 2016.
Reeleição para cargos executivos
Acaba com a possibilidade de reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos. Abre exceção, permitindo a reeleição, para os governadores eleitos em 2014 e os prefeitos eleitos em 2016 (desde que não tenham já sido reeleitos).
Coligações partidárias
Acaba com as coligações partidárias nas eleições de deputados (federais e estaduais) e vereadores. Permite coligação apenas para cargos majoritários.
Cláusula de desempenho dos partidos
Para ter acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e TV para a propaganda partidária, a legenda terá que obter pelo menos 2% dos votos válidos para a eleição de deputados federais. Na primeira eleição, como regra de transição, o percentual será de apenas 1% dos votos válidos.
Idade para se candidatar a senador
Reduz de 35 para 30 a idade mínima para alguém se candidatar ao Senado.
Projetos de Iniciativa Popular
Reduz para 500 mil eleitores a exigência de assinaturas para apresentação de projetos de iniciativa popular, em pelo menos um terço das unidades da federação. Hoje a lei exige 1% do eleitorado, o que equivale a mais de 1,4 milhão de assinaturas.
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