- O Globo
Estamos vivendo um momento delicado da judicialização de questões políticas fundamentais para o futuro do país. Dois fatos dos últimos dias podem indicar que, nos bastidores do Judiciário, arma-se uma blindagem não apenas à presidente Dilma, como ao ex-presidente Lula e sua família.
No entanto, as decisões tomadas estão estritamente dentro da legalidade institucional, e somente o decorrer dos processos poderá confirmar essa desconfiança generalizada ou, contrariamente, que nosso sistema judiciário é imune a pressões políticas, caracterizando assim uma democracia amadurecida em pleno funcionamento.
O TSE terá relatora identificada com o Planalto na ação que pede a cassação da chapa eleita em 2014, e a Operação Zelotes voltará a ser comandada por um juiz que arquivou o inquérito que apurava denúncias de tráfico de influência da ex-ministra Erenice Guerra, hoje envolvida nas negociatas de venda de medidas provisórias e anistia fiscal indevida no âmbito da Carf.
O presidente do TSE, Dias Toffoli, identificado com o PT por uma longa atuação partidária e alguns votos no Supremo Tribunal Federal, ao decidir que a ministra Maria Thereza de Assis Moura continuará como relatora da ação do PSDB que pede a cassação dos mandatos da presidente Dilma e do vice Michel Temer, agiu dentro das normas do Tribunal, não há dúvida, mesmo que a própria ministra se considere impedida de permanecer na relatoria por ter votado pelo arquivamento da ação.
A escolha da relatoria era de difícil solução, já que os dois ministros do TSE que poderiam exercê-la estão em lados bastante distintos do processo: Maria Thereza havia determinado arquivamento da ação, mas foi voto vencido pelo plenário, que decidiu reabrir a ação.
O primeiro voto contrário ao arquivamento foi do ministro Gilmar Mendes, que defendia publicamente que havia indícios fortes para a investigação prosseguir. Consultados, o Palácio do Planalto preferiu a ministra Maria Thereza, e o PSDB, Gilmar Mendes.
Qualquer decisão, portanto, provocaria críticas, e o presidente do TSE preferiu se ater à jurisprudência e definiu que a mudança do relator não está prevista nas normas do TSE. Nos bastidores, a ministra Maria Thereza mostra-se incomodada por ser identificada como aliada do governo, e novas provas devem ser juntadas ao processo, que não existiam no momento em que ela pediu o arquivamento.
O relatório do TCU, por exemplo, tem todo um capítulo sobre abuso de poder econômico em ano eleitoral. Um exemplo típico é o reajuste dos valores do Bolsa Família em ano eleitoral. O compartilhamento de provas com a Lava-Jato também poderá ampliar o escopo da investigação do TSE.
Com relação ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, que retomou a titularidade da 10ª Vara e, em consequência, o comando da Zelotes, ele poderia ter continuado seu trabalho no Superior Tribunal de Justiça por mais um período, mas preferiu reassumir o posto dias depois que as investigações chegaram ao filho do ex-presidente Lula por determinação da juíza Celia Regina Ody Bernardes Carrer.
O juiz já atuara na Operação Zelotes no início das investigações, e, enquanto esteve no STJ, na 10ª Vara o caso esteve nas mãos de juízes substitutos, inclusive Celia Regina, que deu novo fôlego às investigações.
Todos os envolvidos nessas questões internas do Judiciário estão cautelosos. O Ministério Público Federal soltou uma nota afirmando que o juiz Vallisney Oliveira é “um magistrado experiente na área criminal”. Gilmar Mendes recebeu a indicação da juíza Maria Thereza com fleugma britânica.
Disse que o processo está em “boas mãos” e acredita que a escolha deveu-se a uma questão técnica, já que a ministra foi derrotada na admissibilidade da ação, e não no mérito, que ainda será julgado. “Novos fatos surgiram e merecem ser investigados”, ressaltou.
Os indícios de que esses processos estão sendo influenciados pelo governo são fortes, e podem indicar cerceamento da independência das investigações. Mas podemos também ter uma grata surpresa no seu decorrer. Especialmente porque a Lava-Jato ainda produzirá muito material para alimentá-los. Como atribuído ao ministro Teori Zavascki, responsável pelo processo no STF, o que está por vir é ainda mais escandaloso.
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