Por Fernando Taquari – Valor Econômico
SÃO PAULO - "Este foi um ano que não começou e insiste em não acabar". A declaração foi feita pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ao anunciar, em tom de desabafo, o fim do ano legislativo, no dia 17 de dezembro. Com a frase de efeito, o senador pemedebista procurou dar uma dimensão do quadro de instabilidade que se instalou na política brasileira desde a eleição presidencial. Este ano, no entanto, representou o início de uma crise que deve ter um desfecho nos próximos meses, o que faz de 2016, segundo cientistas políticos ouvidos pelo Valor, um ano igual ou até mais turbulento do que foi 2015, a depender dos acontecimentos.
A expectativa leva em conta o andamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de pedir o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara e sua eventual sucessão, os desdobramentos das operações Lava-Jato e Zelotes, sempre imprevisíveis, e as eleições municipais, além de fatos imponderáveis da política dentro de um quadro de aperto econômico. Para Carlos Melo, cientista político do Insper, o desenrolar dos fatos originados neste ano permitirá ao país deixar o momento de paralisia em que se encontra por conta do impasse em torno da saída ou não de Dilma da Presidência da República.
"Agora, é impossível dizer se vai ou não ter o impeachment. Ninguém tem essa resposta neste momento. Tudo vai depender das articulações do Congresso e das vozes das ruas. De concreto, vejo que, ao contrário de 1992, há uma tensão maior. Existem dois lados em disputa. O impeachment de [Fernando] Collor uniu o país na época. O da Dilma certamente não vai unir", observa Melo. Além disso, o professor do Insper aposta que o Palácio do Planalto continuará, em 2016, "refém" do Congresso e da economia. "Não vejo perspectivas animadoras neste sentido. O governo segue sem força para construir uma coalizão segura e para reverter o cenário pessimista na economia", acrescenta.
Já o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), ressalta que a permanência de Cunha como presidente da Câmara, a despeito do pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), aumenta o poder de fogo da oposição e os riscos ao governo Dilma. Mesmo assim, considera sua continuidade no cargo insustentável dado o cerco do Ministério Público Federal (MPF) e a quantidade de provas reunidas pela Lava-Jato. "A política está muito volúvel. Fica difícil prever. De todo modo, me parece que, no caso do Cunha, a questão não é se vai acontecer, mas quando", afirma. Se isso acontecer, diz Couto, o governo também perde o discurso por um lado, embora se veja livre de um desafeto.
"Ter o Cunha como contraponto é um alento e uma vantagem. Garante à presidente Dilma ir à TV dizer que não tem contas no exterior e nem a investigação de um fato criminoso contra si", afirma o professor da FGV. Uma eventual sucessão na Câmara tampouco é garantia de sucesso, segundo os dois cientistas políticos, uma vez que alguns dos nomes comentados nos bastidores, como os dos deputados Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Leonardo Picciani (PMDB-RJ), não inspiram tanta confiança. "Apesar de ser um aliado hoje, não podemos esquecer o histórico do Picciani, que fez campanha para o adversário de Dilma em 2014 [Aécio Neves, candidato do PSDB], lembra Melo.
"Já Jarbas faz oposição e é um desafeto do governo que tem a seu favor o fato de não haver nada que o comprometa do ponto de vista moral", afirma Couto. A hipótese mais provável até aqui, no entanto, é que o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), aliado de Cunha, assuma o comando caso o pemedebista seja afastado pelo Supremo. "Mas se, por acaso, os deputados contrariarem o entendimento preliminar da secretaria-geral da Mesa e ocorra novas eleições, não acredito que o governo terá força para fazer o sucessor", prevê o cientista político do Insper.
A oposição beneficiou-se ao pegar carona no desgaste do governo, mas também está refém do processo e da tração entre o Planalto e o PMDB, segundo Melo. "Os tucanos são mais passivos da crise do que agentes", diz Melo. Couto, contudo, acredita que o PSDB pode colher frutos em 2016 com o discurso unificado em favor do impeachment, como os tucanos esforçaram-se em demonstrar em um encontro partidário com as principais lideranças da sigla realizado em meados de dezembro.
Quanto às eleições municipais ambos argumentam que o PT deve pagar o preço pelos esquemas de corrupção desvendados em 2015, embora hajam outros partidos envolvidos. "O desgaste do PT será maior. Porém, isso não se configura a favor do PSDB. A eleição de prefeito tem dinâmica própria. O resultado pode surpreender", diz Couto. Melo prevê ainda que o cenário de baixa arrecadação e aperto fiscal torna a eleição mais difícil para prefeitos que tentam a reeleição ou buscam fazer sucessor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário