A crise econômica, que já vinha afetando a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ameaça paralisar pelo menos 14,3 mil obras que dependem apenas de verbas públicas, informa Alessandra Duarte. Sem dinheiro, o governo Temer já decidiu priorizar obras que têm participação privada, através do programa Crescer. Projetos de urbanização e de prevenção em áreas de risco, além de construções de UPAs, “dificilmente sairão do papel”, segundo integrante do governo.
Crise ameaça obras do PAC pelo Brasil
• Falta de verbas e foco em parceria privada põem em risco 14,3 mil projetos em ano de eleição
Alessandra Duarte - O Globo
Na Vila Ideal, choveu forte, alagou.
— Aqui na (avenida) Manoel Teles, enche tanto às vezes que fica difícil até pra ônibus passar — conta Pedro Cézar Oliveira, estudante de 24 anos morador da comunidade, localizada em Duque de Caxias, Baixada Fluminense.
A obra para desassorear o Rio Meriti na região da Vila Ideal, que combateria os alagamentos, começou em 2009, parou e voltou. É uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que, ao contrário de projetos em áreas como transportes e energia, não incluem participação privada por concessões ou parcerias públicoprivadas (PPPs) — instrumentos que serão priorizados pelo governo interino de Michel Temer para o setor de infraestrutura, pelo recém-criado programa Crescer.
O Crescer vai tocar os projetos novos que envolvam parceria privada. As obras do PAC já em execução e com participação privada ficarão a cargo das agências reguladoras e dos ministérios de cada setor. Mas, com a crise econômica do país, que já vinha prejudicando o programa há meses, o governo ainda não sabe o que fazer com obras do PAC já iniciadas e que usam apenas dinheiro público. Integrante do governo próximo a Temer diz que obras do PAC só com verba pública “dificilmente sairão do papel”.
A indefinição põe em risco o andamento de pelo menos 14,3 mil obras, todas em áreas ligadas à atuação das prefeituras — e em ano de eleição municipal. O que foi anunciado como fim do PAC pode ter efeitos políticos para prefeitos disputando reeleição ou na briga para fazerem o sucessor.
Mesmo obras com concessão ou PPP, mas paralisadas ou atrasadas, têm andamento ainda indefinido. E a continuidade do Minha Casa Minha Vida, parte do PAC, mas com financiamentos da Caixa Econômica, também foi alvo de controvérsia na sexta-feira, quando o ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) disse que novas contratações seriam suspensas, sendo contestado pelo ministro Bruno Araújo (Cidades).
“Espaços para investimento em revisão”
Além de maior programa dos governos do PT, o PAC foi como o ex-presidente Lula vendeu sua candidata Dilma Rousseff — “a mãe do PAC” —, o que torna ainda mais simbólico o esvaziamento da marca. A Secretaria do PAC foi extinta, sendo criada a Secretaria de Desenvolvimento e Infraestrutura. Perguntado sobre a substituição do PAC pelo Crescer, o Planejamento disse que “o governo tem realizado avaliações”. Segundo a pasta, com as mudanças na meta fiscal, “os espaços para investimento estão em revisão”. “A prioridade é dar continuidade aos empreendimentos já em andamento e em vias de conclusão”, afirmou.
Obras que não incluem concessões ou PPPs são o caso dos chamados “equipamentos sociais” do PAC, como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e creches/pré-escolas, além de obras de drenagem/ contenção em áreas de risco e de urbanização de assentamentos precários. São pelo menos 14,3 mil em execução. Todas só têm dinheiro público e estão em setores de atuação municipal.
A medida provisória que criou o Crescer não cita em nenhum momento o Ministério das Cidades, principal interlocutor com os municípios. A pasta não está entre as que farão parte do conselho responsável por analisar projetos do novo programa.
— Não fomos procurados para nada. Queremos saber qual vai ser o papel dos municípios nesse novo modelo — diz o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.
Ele afirma que “não adianta criar programa novo se o governo não resolver os R$ 43 bilhões que a União deve às prefeituras”:
— Esses R$ 43 bi são de 85 mil empenhos (reservas de recursos, vindas do PAC e também de outras origens, como emendas) que ficaram no Orçamento da União em restos a pagar aos municípios, nos últimos dez anos. Desse total, R$ 10,1 bi são do PAC em saneamento, urbanização, mobilidade. Os restos a pagar cresceram porque, nos últimos anos, criouse uma panaceia com o PAC, que resolveria tudo. Mas os recursos foram atrasando. Este ano tem eleição, que vai ser afetada. O morador lá no interior vai olhar aquela obra parada e pensar que quem é o culpado?
“O eleitor culpa o prefeito”
Situação como essa está vivendo Santo Ângelo, cidade gaúcha com menos de 80 mil habitantes. De R$ 35 milhões do PAC para infraestrutura urbana, diz o prefeito Valdir Andres (PP), a União só liberou à cidade até agora apenas R$ 8 milhões.
— Temos obras de duas creches no PAC que começaram em janeiro de 2014. Em outubro, após a eleição, as obras pararam, e está assim até agora. Doamos os terrenos, fizemos terraplanagem; só fizeram a base e foram embora. É desperdício de dinheiro público não retomar uma obra que já começou. E o eleitor, infelizmente, culpa aquele mais próximo dele, o prefeito — diz Andres, ex-presidente da Federação de Municípios do RS.
Em Teresina, o prefeito Firmino Filho (PSDB), candidato à reeleição, afirma também esperar que não haja descontinuidade de obras, porque “já tiveram consequência para as cidades”:
— O que se precisa pensar é, em vez de acabar com obras existentes, dar agilidade a elas. Poderia ser revisto, por exemplo, o acompanhamento feito pela Caixa, que é lento.
Em Duque de Caxias, a obra na Vila Ideal deveria ter ficado pronta antes de a atual gestão assumir em 2013, diz a assessoria da prefeitura. Agora, deve ser concluída até julho. Para o prefeito Alexandre Cardoso (PSD), não só obras iniciadas, mas também as já contratadas não podem ser descontinuadas:
— O impacto é maior em obras mais adiantadas e que param. Mas, em muitos casos em que a obra não começou, as prefeituras já contrataram estudos, que já foram feitos. Uma prefeitura leva um ano nesse trâmite. Vão jogar fora projetos já pagos? Aqui, temos projetos de urbanização no Jardim Gramacho e contra cheias em Saracuruna. Mas foram pensados para o PAC. As prefeituras terão tempo de se adequar a outro modelo em 90 dias, até as eleições? É bom o governo sinalizar com dinheiro novo, do setor privado, mas há projetos que não têm a taxa de retorno que o agente privado quer. Jardim Gramacho é um passivo ambiental. Numa creche, numa unidade de Saúde, qual taxa de retorno haverá nisso? — destaca Cardoso.
A CNM tentará encontro em junho com Temer. A última Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios ocorreu na semana do afastamento de Dilma — e aí, “no vácuo de poder, nem Dilma nem Temer participaram”, diz Ziulkoski. Outra representante do setor, a Associação Brasileira de Municípios (ABM) já pediu encontro com Temer.
— Trataremos disso dentro do chamado pacto federativo — diz o presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira. — Quero crer que não haverá interrupção de contratos do PAC. Mesmo que obras não tenham iniciado, as prefeituras já começaram a dar tramitação. São compromissos da União, não com prefeitos, mas com a população. A eleição este ano agrava tudo isso.
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