segunda-feira, 23 de maio de 2016

Rede tenta reinventar prática política

• A ventilação vem de um colegiado. A Rede não funciona - ou tenta não funcionar - pelo conceito de hierarquia

• Foram analisados vários estatutos de partidos no mundo, do espanhol "Podemos" ao alemão "Piraten"

Por Daniela Chiaretti – Valor Econômico

SÃO PAULO - Há uma semana, um jantar na casa de uma família de banqueiros reuniu um grupo de CEOs e executivos ao redor de Marina Silva e integrantes da Rede Sustentabilidade. A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora expôs suas posições, já conhecidas, sobre o impeachment de Dilma Rousseff, o governo Temer, sua visão de futuro calcada na esperança de novas eleições. Mas o que surpreendeu os presentes foi saber algo da dinâmica da Rede. De um lado, trata-se de um partido de oito meses de vida, 15.600 filiados, pouco tempo de TV e parcos recursos, além de trajetória nova e de difícil tradução. Do outro, os históricos 22 milhões de votos da ex-seringueira que lidera as pesquisas de intenção para eleições presidenciais.

Ao lado de Marina, no jantar de cerca de 30 pessoas entre economistas e presidentes de indústrias, donos de redes de restaurantes, de grupos varejistas e do mercado financeiro, estava José Gustavo Fávaro Barbosa Silva, 27 anos, paulista de São Carlos, formado em administração pública. Os empresários entenderam que o rapaz ruivo era o porta-voz de Marina. Entenderam errado. No registro legal do partido, Zé Gustavo, como é conhecido, é o presidente - Marina é vice. Nesta tentativa de se fazer política de outro jeito, o jovem é um dos porta-vozes da Rede Sustentabilidade e Marina Silva, a outra. O conceito é diferente: são porta-vozes para o mundo exterior e coordenadores-gerais para as ações internas do partido.


O jeito novo de fazer política, trilha que a Rede Sustentabilidade tenta abrir, é complicado de absorver. O diretório nacional das estruturas partidárias convencionais aqui é chamado de "elo nacional". "A ideia é mudar a linguagem para mudar um pouco a configuração de como as pessoas pensam a política", diz Zé Gustavo. O elo nacional, um agrupamento de 100 pessoas, se liga a elos estaduais, e estes, a elos municipais. É uma malha política tecida horizontalmente.

A ruptura com a verticalidade partidária tradicional procura ultrapassar a semântica. Na Rede, todos os cargos são duplos e a orientação, não estatutária, é que sejam ocupados por um homem e uma mulher, um jovem e alguém mais experiente. "Isso é bacana na Rede. Há um esforço de se fazer uma aliança intergeracional. Uma geração tendo paciência e aprendendo com a outra", explica Zé Gustavo. "A Rede é um experimento. Tentamos trazer oxigenação para a política."

Esta ventilação vem de um colegiado. A Rede não funciona - ou tenta - pelo conceito de hierarquia. Ali não se vota, decide-se pelo o que chamam de "consenso progressivo", a capacidade de, pelo diálogo, convencer quem tem visão contrária. Nos encontros não há uma mesa à frente, ocupada pela direção do partido e os membros na plateia. As reuniões têm cadeiras em círculo, o que lembra as reuniões dos povos indígenas. O sistema, que trata a todos de igual maneira, é mais lento. "Isso, às vezes leva mais tempo, mas o debate é maior e a aderência da decisão, também", explica o porta-voz. "Estar aberto a posições contrárias é pouco habitual na política, é um trabalho de mudança na cultura", explica Zé Gustavo, o primeiro de sua família a se formar em uma universidade. O desafio é equilibrar a necessidade de respostas à conjuntura -que exige velocidade-, ao cuidado de manter a congruência das posições de tantos.

Foi a sensibilidade de Marina a perceber, desde o Movimento Social Nova Política, a abertura da juventude a inovar na política, reconhece o cearense Pedro Ivo Batista, 55 anos, um dos coordenadores nacionais de organização da Rede Sustentabilidade - seu duplo, Tácius Fernandes, foi porta-voz da Rede no Amazonas. "Os jovens são mais abertos, estão experimentando as redes sociais, não ficam nos rótulos dos métodos tradicionais, e sim, quebram paradigmas", diz Pedro Ivo, que esteve 30 anos no PT e conhece Marina Silva desde os tempos do "Juventude Caminhando", o movimento estudantil que "ganhou a UNE três vezes", recorda, referindo-se à União Nacional dos Estudantes.

"No lugar de ter uma 'casinha' da juventude dentro da Rede, temos uma visão mais transversal", segue Pedro Ivo. "Não é uma obrigatoriedade os jovens estarem em todas as coordenações, mas isso tem acontecido naturalmente. É uma construção". Neste exercício, diz, "estamos formando e nos formando com eles também". "Nas novas tecnologias, novas agendas como pensar nos direitos dos animais e na transparência dos processos, eles estão há anos-luz da gente."

As diferenças entre os integrantes da Comissão Executiva Nacional da Rede Sustentabilidade estão, muitas vezes, na raiz de cada trajetória política. O caminho trilhado por Marina e Pedro Ivo é bem diferente daquele de Zé Gustavo que teve o primeiro contato com a política na faculdade, em Araraquara. Foi quando começou a ver "o poder que o governo tem" enquanto buscava um novo modelo de movimento estudantil, "menos preocupado com a UNE e organizações classistas." Sua aproximação com Marina foi de longe, quando estudava no Canadá e começou a ser seduzido pelas "ideias inovadoras e colaborativas" que percebeu no discurso da acreana. Na volta, envolveu-se com um encontro de estudantes de administração pública. Os jovens convidaram a falar em seu evento os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, e Marina Silva. Só ela compareceu.

Zé Gustavo filiou-se ao Partido Verde e desligou-se menos de um mês depois, seguindo a desfiliação coletiva de Marina e seu grupo. "Começamos a discutir um partido, com visão forte de sustentabilidade, mas que inovasse na forma", conta o moço. Foi convidado a coordenar a coleta de assinaturas para erguer o partido em São Paulo. "A burocracia de se formar um partido é monstruosa", reconhece, depois de ter conseguido mais de 250 mil assinaturas no Estado, contado com a ajuda de 12 mil voluntários e ver o esforço ruir com a reprovação do Tribunal Superior Eleitoral em 2013.

Foi na coligação com o PSB de Eduardo Campos que Zé Gustavo apresentou sua candidatura a deputado federal. "Criei o conceito de co-deputados, uma estrutura onde pessoas se comprometiam com determinado número de horas por semana, para fazer determinado trabalho, reuniões, conversas e levar o mandato para a sociedade". A candidatura não vingou - teve 14.474 votos - e ele assumiu a coordenação nacional da coleta de assinaturas para formar a Rede. Depois de 1,2 milhão de assinaturas (cerca de 600 mil validadas), o registro do partido finalmente saiu, em setembro de 2015.

"O conteúdo da Rede Sustentabilidade é muito importante, mas a forma de fazer é primordial também", conta. "Nossa forma de fazer é em rede, e o conteúdo é fazer a sustentabilidade. Esta é uma questão muito maior que apenas ambiental, é uma forma de viver", diz Zé Gustavo, seguindo a narrativa de Marina.

A agenda interna de construção partidária é outro aprendizado. "O que é um partido em rede é uma novidade, porque a política não está em rede. Ela continua no antigo modelo representativo, em que eu escolho aquele que me representa e um grupo de representantes decide por mim. Mas um sistema em rede funciona com a participação direta de pessoas, em modelos de plataforma", tenta explicar Pedro Ivo. Nesta plataforma, os filiados teriam uma senha e as decisões seriam tomadas de forma mais horizontal, como em um plebiscito.

A Rede está trabalhando nisso, mas a legislação não permite tanta inovação. Resta ao partido ser um sistema misto. "Temos que ter, por força da legislação, um presidente, uma direção estadual em cada Estado, uma direção nacional. A lei exige assim, mas não funcionamos assim. Funcionamos em duplas, não temos presidente, as nossas coordenações são colegiados. É uma estrutura muito flexível, não temos uma máquina pesada como os outros partidos", ilustra Pedro Ivo.

Na invenção deste formato foram analisados vários estatutos de partidos originais que surgiram pelo mundo, do espanhol "Podemos" ao alemão "Piraten". A criação tupiniquim é uma espécie de mix. Os porta-vozes são uma novidade no Brasil, mas os partidos verdes sueco e alemão funcionam assim há tempos. "Não somos um partido que faz filiação em massa, mas queremos influenciar muito a sociedade. É como se houvesse um partido em rede, e uma rede, sem ser partido", diz Pedro Ivo.

Na Rede há reuniões presenciais, mas muitas são virtuais, para reduzir custos. "Temos pouco dinheiro e fazer viagens é caro", diz Zé Gustavo. No jantar com os empresários, Rubens Novelli, um dos dois coordenadores financeiros, expôs a tabela da última atualização do Fundo Partidário 2016. Em abril, o PT tinha disponibilizado R$ 7.972.580,50, o PMDB, R$ 6.540.147,35 e o PSDB, R$ 6.736.120,75. A Rede tinha R$ 369.335,97. "Nosso fundo partidário é muito modesto. Muito modesto mesmo", diz Bazileu Margarido, um dos coordenadores executivos da Rede. Na época da coleta de assinaturas até o registro, o financiamento era ainda mais precário. Baseava-se em "processos colaborativos", como eles dizem.

O Fundo Partidário veio a partir do nascimento da Rede e é proporcional à quantidade de deputados federais. No caso, são quatro os que vieram para a Rede: o deputado decano da Câmara Miro Teixeira (RJ), Aliel Machado (PR), João Derly (RS) e Alessandro Molon (RJ), além do senador Randolfe Rodrigues (AP). Estruturalmente, os recursos do Fundo Partidário têm que ser aplicados na atuação da fundação que os partidos políticos têm que ter, conforme exige a lei, e que a Rede se prepara para criar (o nome, naturalmente, será escolhido por concurso, lê-se no site). Dos recursos, 20% têm que ser reservados para a atuação da fundação e 5% para promover a presença das mulheres na política. A contribuição dos filiados é ainda pequena.

E agora, tendo à frente as eleições deste ano? Pedro Ivo faz mistério: "O financiamento, determina a lei, virá de pessoa física, e buscaremos modelos criativos, que ainda não podemos contar", diz. "A Rede tem poucos recursos financeiros, pouco tempo de TV e pouca estrutura. Isso é real e os candidatos sabem disso. Mas queremos participar, mostrar as nossas propostas, e fazê-lo de forma inovadora", continua.

Já existem diretórios em todos os Estados, mas alguns apenas engatinham. O programa lançado na eleição presidencial de 2014 é o eixo que estimula os candidatos a pensar suas iniciativas. "É para que tenham inspiração para questões de mobilidade urbana ou saneamento, por exemplo", ilustra Zé Gustavo.

O debate de como participar das eleições municipais está no início. Eventuais alianças terão que ser programáticas, e baseadas em temas-chave - ter compromisso com o desenvolvimento sustentável e tratar de tópicos pertinentes às cidades, dos resíduos à água, mobilidade, energias renováveis, mudança do clima. "Tem que ser éticas também. Não vamos fazer alianças com pessoas indiciadas na Lava-Jato", avisa Pedro Ivo. O diálogo tem se dado com os partidos que estiveram na aliança de Eduardo Campos e Marina - o PSB, o PPS e o PPL. "Não temos impedimento de fazer alianças desde que em cima de programa e candidatos não metidos em encrenca", reforça.

A intenção é lançar nomes em cidades-pólo. A pré-candidatura do empresário e vereador Ricardo Young para a Prefeitura de São Paulo foi há poucos dias. O ex-petista Molon é a aposta para o Rio de Janeiro. O deputado mineiro Paulo Lamac deve disputar Belo Horizonte. Em Manaus, Júnior Brasil, que foi candidato a vice em 2014. A jornalista Úrsula Vidal é o nome provável para Belém. No Acre, reduto dos Viana, a Rede pode lançar a candidatura de seu porta-voz, Carlos Gomes. Em Porto Alegre, a possibilidade é João Derly.

Marina Silva inicia uma maratona, em 20 de junho, de atividades e conversas com empresários e estudantes para ajudar a Rede a lançar suas pré-candidaturas. Começa com o Rio Grande do Sul e vai ao Espírito Santo, Rio de Janeiro, Amapá, Belém, São Luiz, Maceió. O périplo termina na primeira quinzena de julho.

A movimentação de Marina Silva este ano se deu em torno da conturbação política do País. "Esta é uma crise econômica, social e de caráter político profunda", diz Bazileu Margarido. "Precisamos dialogar com a sociedade em relação aos caminhos." Ele continua: "Temos um governo Dilma, e agora um governo Temer, em que pesa uma mácula, uma suspeita muito forte de que foi um processo eleitoral com desvio de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha. O nosso entendimento é que o melhor caminho para sair da crise é através do julgamento pelo TSE da ação de impugnação de mandato contra a chapa Dilma-Temer."

Há poucos dias, Marina esteve falando sobre isso no Teatro Leblon, no Rio, com o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) em evento organizado pelo ator Marcos Palmeira. Antes encontrou o arcebispo de São Paulo Dom Odilo Scherer, o arcebispo Dom Raymundo Damasceno e o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Leonardo Steiner. O jantar com os empresários, em São Paulo, foi mais um passo nesta direção.

Na ocasião, Marina e Zé Gustavo tentaram responder a mesma pergunta feita dias antes por um estudante no programa que a Rede veiculou na TV em abril: "Quem são vocês? O que querem fazer? Por que estão nessa?".

"Marina está procurando construir a Rede, que é interessante, mas difícil de montar. Sabe que ainda é sozinha, com alguns poucos. E que precisa reforçar apoio, estrutura, etc", contou um dos convidados, dando ênfase ao "etc". Os empresários se sentiam entre fascinados e com dúvidas diante do que parece ser para muitos um bem intencionado Exército Brancaleone. "As pessoas que lá estavam a conhecem.
Ela é coerente, embora não de todo convincente em suas teses", analisa o empresário. "Mas é do bem e está tentando recriar o jeito de fazer política."

O que é novo causa estranhamento. "A Rede é uma tentativa de procurar atualizar a política brasileira, usando outras linguagens, procurando outra interlocução com a sociedade", diz Bazileu Margarido. "É óbvio que o tempo partidário na TV é importante, mas não é a única possibilidade", continua. "Temos amplas possibilidades na internet, da militância, de recursos que fogem ao modelo tradicional."

Qual a reação das pessoas a este novo modelo? "A situação atual da política brasileira assusta mais", diz Bazileu Margarido. "As pessoas assustam. No nosso modelo político há a cultura arraigada de que alguém salvará o Brasil. E a nossa experiência é que o líder carismático não resolve", diz Pedro Ivo. Este, talvez, seja o drama existencial da Rede: a trilha é nova, mas é Marina quem o eleitor percebe como guia.

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