• Presidente afastada articulou resistência, mas tentativa de volta ao Planalto tende a fracassar
Vera Rosa – O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Desde que Dilma Rousseff deixou o Planalto, há 109 dias, uma foto com seu rosto de guerrilheira, emoldurado por grossas lentes, repousa solitária num poste de energia elétrica diante do palácio hoje comandado pelo presidente em exercício Michel Temer. A imagem em preto e branco, já rasgada, aparece ao lado de uma convocação desbotada pelo tempo. “Lutaremos em todas as trincheiras até o último minuto”, diz a presidente afastada no cartaz, que exibe a hashtag #VoltaDilma.
A cinco quilômetros dali, no Palácio da Alvorada, a mulher que responde a processo de impeachment por crime de responsabilidade ainda tem na ponta da língua o mesmo discurso da resistência com o qual pretende enfrentar seus algozes amanhã, quando irá ao plenário do Senado para se defender.
Ao que tudo indica, porém, Dilma viverá nesta semana seus últimos dias de poder em Brasília. No Alvorada, ela participou de treinamento intensivo para responder às perguntas mais duras dos senadores, muitos deles seus ex-ministros, com dois umidificadores ligados na sala para espantar a seca.
Apesar do clima tenso, a petista demonstrou bom humor. “Ajeita essa gravata torta, Zé Eduardo!”, ordenou ela a José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, ex-titular da Advocacia-Geral da União e seu advogado no processo de impeachment. “O que aconteceu com você que está mancando?”, perguntou. Cardozo sofreu distensão muscular no pé esquerdo, no último dia 20, quando tropeçou durante uma viagem, após ser patrono de uma turma de Direito em São Gotardo (MG). Na véspera do início do julgamento, passou horas fazendo fisioterapia.
De maio para cá, Dilma reduziu a quantidade de broncas nos auxiliares. Uma das derradeiras foi em Miguel Rossetto, ex-ministro do Trabalho e da Previdência, que gritou “Viva a democracia!” após a presidente receber do primeiro-secretário do Senado, Vicentinho Alves (PR-TO), a notificação de seu afastamento, no Planalto, em 12 de maio. “Você está maluco?’’, reagiu ela, provocando constrangimento em ex-ministros, servidores, deputados e senadores que assistiam àquela despedida.
A solidão de Dilma, nos capítulos que se seguiram a essa cena, impressionou até mesmo os aliados. Várias reuniões, almoços e jantares com senadores foram organizados em busca de apoio para virar o jogo. Nada disso adiantou para evitar que ela se tornasse ré no processo.
Convescote. Em 12 de julho, quando todos já se levantavam de um jantar oferecido por Kátia Abreu (PMDB-TO) a um seleto grupo de senadores, Dilma fez um apelo que revelou o quanto desejava romper o isolamento. “Não, não vão embora”, pediu ela. “Vamos ‘prosear’ mais. É a primeira vez que eu saio sozinha”, confessou, animada, ao lembrar que não estava acompanhada de nenhum assessor.
A “ordem” foi cumprida e os convidados voltaram. A conversa, regada a vinho, durou até 1 hora da manhã. Dilma parecia feliz. “A Presidência, para ela, é muito sofrida. Ela ficou sitiada no Planalto”, resumiu o senador João Capiberibe (PSB-AP), um dos presentes ao encontro daquela noite.
Cinco dias antes, seu colega Roberto Requião (PMDB-PR) havia sido anfitrião de mais um convescote pró-Dilma. Fez tantas reuniões que seu estoque de vinhos acabou. Requião batizou o grupo de “G-30”, com a expectativa de que ele abrigasse 30 aliados ou simpatizantes da petista, mas a estratégia fracassou.
Com Luiz Inácio Lula da Silva como convidado de honra, Requião serviu carneiro assado. Apenas cinco senadores, porém, se dispuseram a ouvir o ex-presidente. O mais esperado deles, Cristovam Buarque (PPS-DF), não apareceu.
Cristovam foi uma das muitas decepções de Dilma. Dizendo-se indeciso, bateu ponto quatro vezes no Alvorada, transformado em gabinete virtual da “pronta resposta” às medidas anunciadas por Temer. Alinhavou sugestões para a carta escrita pela petista, batizada de Mensagem ao Senado e ao Povo Brasileiro, pediu a ela um sinal de que manteria Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, em caso de retorno ao cargo, e indicou que, ao fim do processo, poderia até escrever um livro em sua companhia.
Na fria madrugada do último dia 10, no entanto, Cristovam votou contra Dilma. “Para ela, é melhor sair como João Goulart do que ficar como Nicolás Maduro”, comparou o senador, numa referência ao presidente obrigado a se exilar no Uruguai, na ditadura, e ao enfraquecido chefe do Executivo na vizinha Venezuela. Detalhe: em 2013, Dilma foi tratada pelo jornal britânico The Guardian como a “dama de ferro” brasileira, uma alusão à ex-premiê do Reino Unido Margareth Thatcher.
Ressentimento. Dirigentes do PT disseram que Cristovam nunca perdoou Lula por tê-lo demitido em 2004 do Ministério da Educação, por telefone, e “guarda o ódio na geladeira”. Nos bastidores, porém, antigos aliados de Dilma criticaram o fato de a presidente afastada ter demorado tanto tempo para divulgar a carta ao Senado, que voltou a bater na tecla do “golpe”, dividindo seus discípulos.
Dilma precisa de 28 dos 81 votos de senadores para escapar do impeachment, mas, na sessão de pronúncia, obteve apenas 21 – um a menos do que tinha em maio. “Nada me deprime nem me abate. Eu vou lutar até o último minutozinho”, avisou a mulher que, em 2014, carregava o mote de “coração valente” na campanha. “Hoje eu não tenho de renunciar, não tenho de me suicidar, não tenho de fugir para o Uruguai”, bradou ela em seu último ato público, na quarta-feira, em uma referência a Getúlio Vargas e a João Goulart. “É porque você tem peito!”, berrou uma mulher na plateia.
Suspiros. Na longa jornada contra o impeachment, Dilma recebeu no Alvorada dirigentes de partidos, senadores, deputados, intelectuais, sindicalistas, cineastas, representantes de vários movimentos sociais e até chef de cozinha. A cúpula do PT, no entanto, praticamente a abandonou.
Rachado, o partido não endossou nem mesmo a proposta de plebiscito para antecipar a eleição presidencial de 2018 – principal bandeira de Dilma em sua mensagem aos congressistas – e quer virar a página do impeachment para que o drama político não contamine ainda mais seus candidatos nas disputas pelas prefeituras. O problema maior está em São Paulo, onde o prefeito Fernando Haddad enfrenta dificuldades na briga para conquistar mais um mandato.
Com tantos almoços e jantares, Dilma engordou cinco dos 17 quilos perdidos na dieta Ravenna. Preocupada, manteve todos os dias o hábito de pedalar nas proximidades do Alvorada, e alongar o corpo por meia hora. Aliados juram que, nesse período, ela conversou com mais políticos do que em seus cinco anos e oito meses à frente do Planalto.
Após fazer inúmeras contas de calorias, Dilma conseguiu incluir na dieta pequenos suspiros, adoçados com stevia, e não abre mão das sessões de acupuntura com o chinês Gu Hanghu, que também lhe receitou raiz de ginseng, para dar energia.
Metódica e disposta a emagrecer, a presidente afastada chegou a uma conclusão “estarrecedora” para quem ultrapassou os cem dias de solidão. “Um pote com 78 minissuspiros equivale a uma banana, minha filha”, revelou ela a uma amiga, sem esconder a alegria com a descoberta.
Na atual temporada, Dilma alternou momentos de abatimento aos de alívio. Não foram poucos os que disseram ao Estado que ela parece ter tirado um “peso” das costas. Em uma das reuniões com militantes, porém, até da cor do rejunte no piso das moradias do programa Minha Casa Minha Vida ela falou. “Por que não pode ter rejunte rosa, rejunte verde?”, indagou, detalhista, como se ainda estivesse no comando do projeto. Foi mais uma mostra de que Dilma está cada vez mais Dilma.
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