Depois de 17 anos e em meio à maior crise de sua história, por pressão da ala mais à esquerda do PT e com a anuência do ex-presidente Lula, o partido decidiu abolir a eleição direta para a escolha de seu presidente.
PT tenta evitar debandada
• Para conter crise interna, partido extingue processo de eleição direta para seu comando nacional
Sérgio Roxo - O Globo
SÃO PAULO - Em crise motivada pela Operação Lava-Jato, pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela derrota acachapante nas eleições municipais deste ano, e sob risco de sofrer uma nova debandada de quadros, o PT decidiu acabar temporariamente com o seu processo de eleição direta (PED), um dos símbolos de sua organização interna. Para ajudar a encontrar um caminho para a sigla, o ex-presidente Lula, pela primeira vez desde que foi eleito para o Planalto, em 2002, participou de todos os detalhes da reunião do diretório nacional petista, realizada ontem e anteontem, em São Paulo.
Coube a Lula costurar o acordo que aprovou o fim do PED e tentou dar um desfecho pacífico a uma semana de tensão máxima entre as forças que disputam o poder interno do partido. O ex-presidente também comandou a discussão sobre a conjuntura e, no fim do encontro, anunciou que irá, inclusive, disputar, como filiado do diretório de São Bernardo, uma vaga de delegado para participar do congresso que será realizado nos dias 7, 8 e 9 de abril e elegerá o novo presidente.
Lula é, segundo líderes das mais diversas correntes, o único petista que poderia se transformar em consenso para ocupar a presidência do partido. Apesar já ter afirmado que não embarcará na ideia, o líder petista ouviu, na última quarta-feira, durante reunião preparatória para o encontro do diretório nacional, novos apelos para assumir o comando da legenda.
O momento delicado fez com que o partido adotasse uma série de medidas excepcionais. Já havia sido acertado que o mandato do atual presidente, Rui Falcão, previsto para acabar em novembro de 2017, será encurtado em mais de seis meses. Ontem, foi aprovado que o novo presidente ficará no cargo por apenas dois anos, sendo que o normal seriam quatro. O PED, em tese, voltará em 2019.
Caberá ao novo presidente conduzir o partido nas eleições de 2018 e evitar fiasco semelhante ao verificado nas disputais municipais. Este ano, o número de prefeitos eleitos pela legenda caiu 60% em comparação a 2012 — de 644 para 261. Além disso, a sigla conquistou o comando de apenas uma das 92 maiores cidades com mais de 200 mil habitantes (Rio Branco, no Acre), contra 17 quatro anos atrás.
O resultado da eleição deste ano deu fôlego ao Movimento Muda PT, que é minoritário no diretório nacional, mas tem adesão de 35 dos 58 deputados federais petistas. Formado por cinco das principais correntes de esquerda e com participação de líderes como o ex-governador Tarso Genro e os ex-presidentes da Câmara Marco Maia (RS) e Arlindo Chinaglia (SP), o grupo defende uma autocrítica profunda da legenda sobre o período no poder e mudanças no funcionamento do partido, como o fim do PED.
O argumento é que as eleições diretas ocorrem sem discussão interna e o processo é contado minado por praticas como o transporte de eleitores por caciques partidários. Nos congressos, as votações só ocorrem depois de uma série de discussões.
Como o fim do PED passou a ser uma das principais bandeiras do Muda PT, Lula e seus aliados avaliaram que a manutenção do sistema de eleição direta poderia servir como justificativa para integrantes do grupo deixarem o partido. O ex-presidente chegou a convencer a CNB, a corrente majoritária, a abrir mão da eleição direta, que sempre foi uma bandeira histórica do grupo. O modelo de eleição direta entre todos os filiados foi aprovado em 1999, no 2º Congresso do partido, comandado pelo ex-ministro José Dirceu, na época presidente do PT.
“ME DÊ MOTIVO”
Mesmo em maioria no diretório, os integrantes da CNB cederam com a condição de que os delegados que participarão deste congresso sejam eleitos por votação direta nos municípios. O Muda PT não concordou com essa proposta e bateu o pé para acabar com qualquer tipo de eleição direta. Por causa dessa divergência, houve muita tensão no primeiro dia de reunião do diretório nacional, quinta-feira.
O secretário-geral do PT, Romênio Pereira, da corrente Movimento PT, aliada da CNB, chegou a dizer que os integrantes do Muda PT estavam intransigentes porque queriam uma desculpa para abandonar o partido.
— É como naquela música do Tim Maia: “Me dê motivo” — afirmou, dando o tom do clima.
Carlos Árabe, secretário de formação do partie um dos articuladores do Muda PT, rebateu:
— A desculpa de quem não quer discutir uma mudança profunda é desqualificar quem quer.
Lula e Rui Falcão ainda construíram outra proposta intermediária, em que a votação nos municípios escolheria representantes de congressos estaduais, que depois elegeriam os delegados congresso nacional. Era mais uma tentativa de atender ao Muda PT, mas o movimento não aceitou. Sem chance de acordo, a questão foi decidida no voto. Por 52 a 27, a proposta do Muda PT de acabar com todos os tipos de eleição direta no PT foi derrotada.
— Fizemos um gesto em direção à unidade do partido — disse o tesoureiro do PT, Marcio Macedo, da CNB, ao justificar o fim do PED.
Para Rui Falcão, a reunião do diretório deu voz a todos os presentes:
— Eu só soube disso (possibilidade de debandada) pelo noticiário. Se havia qualquer pretexto (para sair), esse pretexto foi removido.
Questionado se o resultado da reunião aumenta o risco de uma saída em massa de deputados, Marco Maia, do Muda PT, respondeu: — Ficou no zero a zero. Ontem, os advogados de Lula entraram com uma ação de danos morais contra o ex-senador Delcídio Amaral, que acusou Lula de obstrução à Justiça em sua delação premiada. Como indenização, os advogados estipularam que Delcídio pague, em caso de condenação, R$ 1,5 milhão. Em sua delação, Delcídio afirmou que Lula pediu que o ex-senador evitasse que Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, firmasse um acordo de colaboração, fato negado por Lula.
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