- O Globo
Ativos no mundo inteiro oscilaram fortemente nos últimos dias porque realmente a eleição de Trump representa uma combinação de incertezas para a economia. Não se sabe como serão as políticas fiscal e monetária nos EUA, e até uma possível renúncia da presidente do Fed, Janet Yellen, entrou no radar. O Brasil, por estar muito frágil, é atingido diretamente por esse ambiente.
Uma alta de 10% do dólar tem impacto de 0,5 ponto na nossa inflação. A disparada dos últimos dias já fez com que alguns economistas começassem a rever o cenário para a queda dos juros no Brasil. O país acaba de entrar num ciclo de redução das taxas, mas a impressão de alguns analistas é de que o BC irá mais devagar.
Há cerca de duas semanas, a Tendências Consultoria já havia antecipado os efeitos de uma possível vitória de Trump sobre os mercados. Embora não fosse o cenário mais provável, a consultoria traçara suas consequências, como exercício. O economista Sílvio Campo Neto explica por que houve uma reação tão abrupta dos mercados ao redor do mundo:
— Trump promete reduzir impostos, e, ao mesmo tempo, gastar mais. Embora não possa demitir a presidente do Fed, há o temor de que ela se sinta constrangida e saia. Além disso, o Tesouro e o Congresso podem afrouxar medidas regulatórias. O afrouxamento foi a causa da crise de 2008. Brigar com China, México e Canadá pode afetar o PIB dos EUA e do mundo. Há várias incertezas que não estavam precificadas pelo mercado.
Na dúvida, os investidores fogem do risco e vão em busca dos ativos mais seguros. O franco suíço, a libra esterlina e o iene japonês foram três moedas que se valorizaram desde a vitória do republicano. Já as moedas dos países emergentes e sem grau de investimento, como o Brasil, perderam muito valor. Também houve aumento do riscopaís dessas economias e queda nas bolsas.
Nem tudo o que acontece nos mercados tem efeito direto sobre a economia real, mas a perda abrupta de valor da moeda tem várias consequências diretas, como elevação da inflação. Desde a eleição de Trump, o dólar saltou de R$ 3,20 para R$ 3,43. Ontem, chegou a encostar em R$ 3,50, mas recuou depois que o Banco Central vendeu cerca de US$ 1 bilhão no mercado futuro e o presidente do Banco, Ilan Goldfajn, lembrou que o país tem um grande estoque de reservas cambiais. Essa tendência de alta da moeda americana pode dificultar o ciclo de queda da Selic no ano que vem.
— Já estávamos com uma previsão de corte de 0,25 ponto na reunião do final deste mês. Ou seja, sem aumentar o ritmo para 0,5 ponto. Isso por causa da própria comunicação do BC. Com essa incerteza externa e a alta do dólar, o cenário de redução menor fica reforçado — disse Sílvio Campo Neto.
A redução mais lenta dos juros no Brasil é um problema enorme para a recuperação. A queda da Selic é o que pode dar um impulso maior nos investimentos, no consumo, e reduzir as despesas financeiras do governo, que têm impacto no déficit nominal e no endividamento bruto. Portanto, a alta do dólar não vem no melhor momento.
O que pode atenuar a conjuntura é que a eleição de Trump aconteceu no mesmo dia em que o país colheu duas boas notícias com a inflação. A taxa acumulada em 12 meses do IPCA caiu abaixo de 8% em outubro e a inflação de serviços caiu para 6,68%, algo que não acontecia desde abril de 2010. O BC, em suas análises, havia dito que o cenário externo era benigno, mas que a inflação de serviços preocupava. Agora, o cenário externo virou uma enorme incerteza, mas os serviços deram um certo alívio. Além disso, a Petrobras anunciou nova redução dos preços da gasolina e do diesel.
Da mesma forma que o dólar subiu rapidamente, ele pode cair, se o discurso econômico do então candidato Trump for diferente das suas ações. Na economia, é mais difícil impor uma mudança radical de agenda. Necessariamente, o presidente eleito terá que ir devagar. Mas a economia mundial passa, a partir de agora, a conviver com muita incerteza, e isso é tudo que o Brasil não precisava neste momento de crise.
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