As primeiras vitórias no front econômico, com a aprovação da PEC dos gastos e o sinal do Banco Central de que os juros cairão mais depressa, deram ao presidente Michel Temer confiança suficiente para mover suas peças no xadrez político em um jogo perigoso: garantir a proteção possível aos seus mais íntimos colaboradores, os líderes do PMDB na mira da Operação Lava-Jato. O trabalho de costura encontrou um terreno aplainado, pois não há entre as grandes legendas quem não tenha algo a temer em relação ao desdobramento das investigações. O último e arriscado passo foi dado com a indicação de seu amigo e ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal, alguns dias depois de consultas aos próceres do PMDB, que queriam a solução da indicação "política".
O presidente tratou de assegurar, em primeiro lugar, que poderia dispor do máximo apoio possível no Congresso a seu governo. Manteve distanciamento público cauteloso, mas não nos bastidores, da eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados, onde questões jurídicas e a oposição de parte do Centrão punham em risco o favoritismo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para ocupar o cargo. Eunício de Oliveira (PMDB-CE) já havia se acertado com Romero Jucá, presidente do PMDB, e com Renan Calheiros, o presidente do Senado, para obter uma sucessão tranquila do cargo. O PMDB do Senado, diferente do da Câmara, indicou um alinhamento mais confiável do que o foi com o tumultuoso Renan. Todos estão citados em delações na Lava-Jato.
O mutirão para obter a solução ideal no Congresso foi arquitetado para receber de braços abertos a todos, a ponto de a candidatura oficiosa de Maia ter obtido a simpatia de vários deputados petistas, só dissuadidos de fazê-lo após uma rebelião de grupos no PT que achavam inadmissível apoiar "golpistas". O PT acabou apoiando o candidato do PDT, André Figueiredo, enquanto que Jovair Arantes, que recebeu uma centena de votos, teve as portas das compensações políticas mantidas abertas com afagos de Temer, para impedir a consolidação de ressentimentos que minem a solidez da base governista.
Com o desenlace da sucessão no Congresso, Temer deu no dia seguinte cargo de ministro da Secretaria Geral da Presidência a Moreira Franco, então secretário de Parcerias de Investimentos. Não se sabe até hoje porque Moreira Franco não teve esse status quando chegou ao governo. Objetivamente, sua nomeação agora lhe dá foro privilegiado em inquéritos que venham a ser autorizados pelo STF. Em outra frente, chamou o tucano Antonio Imbassahy (PSDB-BA) para a Secretaria Geral de Governo, no lugar de Geddel Vieira (PMDB-BA), uma decisão protelada e que despertava ciúmes ao PMDB que, com a vaga aberta por Alexandre de Moraes, pode ganhar uma pasta de peso.
Na constelação de poder de Temer os astros então se alinharam. Sob críticas, Moraes vai para o Supremo, os presidentes das duas Casas do Congresso comungam dos propósitos do presidente e o Ministério da Justiça continuará em mãos confiáveis. Temer ainda não decidiu quem substituirá Moraes, mas voltaram as cogitações sobre o advogado Antonio Mariz de Oliveira - crítico dos métodos da Lava-Jato, ele foi o primeiro a ser cotado para o cargo.
No mesmo dia em que Moraes foi indicado ao STF - será o revisor dos processos da Lava-Jato e poderá aprovar, complementar ou revisar o parecer do relator, mas tudo passará por votação posterior do plenário do Supremo - Rodrigo Janot, o procurador da República, pediu a abertura de inquérito no STF contra José Sarney, Jucá e Renan.
A lógica das articulações do presidente mostram duas faces da mesma moeda. A agenda econômica, que tem apoio dos empresários e de parte da sociedade, prospera no Congresso graças ao trabalho de Temer e à concordância das mesmas lideranças políticas que deverão ser atingidas em cheio pela Lava-Jato. Esse apoio maciço, quando todo o sistema político sofre o abalo sísmico da Lava-Jato, não seria possível - e ainda pode se desfazer - sem que alguma blindagem, mesmo parcial, possa ser razoavelmente providenciada como compensação.
A solução para a crise econômica viria com as reformas e a crise política amenizaria com a protelação sine die das punições que o foro privilegiado tem garantido. Uma coisa implica a outra - a grande incógnita é a reação da opinião pública.
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