quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Sob a pinguela - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis

A nomeação de Alexandre de Moraes para a vaga do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF), o que lhe garantirá o papel de revisor da Lava-Jato no plenário da Corte, provocou uma tempestade em copo d’água. A verdadeira tormenta, porém, é a delação premiada da Odebrecht, homologada pela presidente da Corte, ministra Cármem Lúcia, cujo relator é o ministro Luiz Edson Fachin, recém-sorteado na Segunda Turma. Moraes somente será revisor dos processos nos quais forem eventualmente julgados os presidentes do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); nos demais casos, o revisor é o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

Moraes não participará do julgamento da maioria dos políticos, pois integrará a Primeira Turma do STF. A Segunda Turma do STF é presidida pelo ministro Gilmar Mendes e formada também pelos ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Edson Fachin. Ontem, por unanimidade, a turma negou um pedido de liberdade apresentado pelo ex-tesoureiro do PP João Cláudio de Carvalho Genu, por recomendação de Fachin. Preso em maio do ano passado por determinação do juiz Sérgio Moro, Genu está condenado a oito anos e oito meses de prisão por corrupção passiva e associação criminosa. Segundo a denúncia, recebeu ao menos R$ 3,1 milhões de propina da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, que era controlada pelo PP.

Gilmar Mendes votou com o relator, mas criticou as prisões da Operação Lava-Jato: “Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que vêm de Curitiba. Temos que nos posicionar sobre esse tema, que em grande estilo discorda e conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo dos anos”, advertiu. O quer isso tem a ver com a indicação de Moraes? Nada vezes nada. Esse é um embate que já ocorria nos bastidores da Corte, na qual a Segunda Turma já tem uma maioria garantista muito bem delineada quanto à Lava-Jato e que só espera a apresentação do voto do relator nos processos para decidir se o acompanha ou não. Há dezenas de recursos dos acusados que aguardam decisão do STF. Fachin já disse que dará prioridade a eles. O caso Genu foi somente um cartão de visitas.

Por mais que se critique o presidente Michel Temer, a indicação de Alexandre de Moraes é jogo jogado. Certamente enfrentará oposição na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça, que deverá se realizar no prazo de três semanas, como anunciou ontem o presidente do Senado. Mas seu nome será aprovado na sabatina e no plenário. As restrições ao ex-ministro da Justiça são políticas e ideológicas, não são de natureza objetiva, a não ser que surja algum fato desabonador de sua probidade. Com sua indicação, a Corte estará completa para julgar a Lava-Jato. Esta, sim, é um rio caudaloso, que vai tragar os que caírem da pinguela, para usar a expressão irônica do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao se referir ao governo Michel Temer.

A missão de Fachin é espinhosa. Está balizada, porém, pela composição da Segunda Turma, na qual há ministros indicados pelos ex-presidentes Sarney, Fernando Henrique, Lula e Dilma. É bom lembrar os padrinhos para mitigar a gritaria em relação à indicação de Temer. O leito do rio é o chamado “devido processo legal”. O mais importante é o STF romper a letargia e começar os julgamentos da Lava-Jato. A morosidade da Corte aumenta o estoque de políticos enrolados, sem que seus casos sejam julgados; com isso, a desmoralização do Congresso aumenta. É preciso romper a inércia.

Turbulências
O país terá de aprender a conviver com os julgamentos da Operação Lava-Jato e suas consequências. O cenário não é dos mais confortáveis. No plano internacional, o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seus aliados na Europa e Oriente Médio ampliam as incertezas. Na economia, os sinais de recuperação econômica não significam a elevação imediata dos níveis de emprego, até porque a modernização da economia implica mais automação e informatização, o que impacta negativamente a geração de postos de trabalho. As reformas trabalhista e da Previdência, necessárias para aumentar os níveis de emprego e de investimentos, como sempre, esbarrarão na resistência de sindicatos e das corporações e acabarão mitigadas pelos políticos.

O mais grave, entretanto, são os sinais de que o “contrato social” que regula a relação entre o Estado e a sociedade está muito esgarçado. Norberto Bobbio, ao analisar a crise italiana dos anos 1980, dizia que até o pior governo seria capaz de manter suas atribuições essenciais: arrecadar, normatizar e coagir. A crise no Espírito Santo, cujo governo era apontado como exemplo de equilíbrio fiscal e eficiência, é uma um sinal de alerta: o aparelho de segurança pública entrou em colapso e os bandidos tomaram as ruas; populares se aproveitam da situação para saquear o comércio e dezenas de mortos estão amontoados no necrotério.

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