- O Globo
Crise encontrou o Ministério da Justiça acéfalo e o governador operado. Vitória parecia uma ilha deserta quando o ministro Raul Jungmann chegou para ver de perto a crise da segurança. O prefeito Luciano Rezende, que foi buscá-lo, viu dois assaltos no caminho até o aeroporto. O ministro da Defesa tinha sido acordado pela manhã com um telefonema do presidente Temer. O governador Paulo Hartung estava operado no Sírio Libanês, e o ministro da Justiça estava deixando o cargo.
Acrônica desses dias no Espírito Santo, e no Brasil, mostra bem a fragilidade institucional em que o país está. O carro do ministro da Defesa deslizou por ruas desertas e passou por praias vazias, comércio fechado, escolas sem aula. Isso foi na segunda-feira, depois de um fim de semana infernal, quando os policiais militares decidiram ficar aquartelados fingindo estar sendo impedidos de sair pelos seus familiares. E a população ficou refém do medo. O desafio é enorme porque, se esse movimento grevista der certo, que os governadores se preparem para outros pelo Brasil afora. O que os PMs estão fazendo é contra a lei, mesmo se sua pauta for justa.
Raul Jungmann prometeu reforços das Forças Armadas e da Força Nacional e ontem mil militares do Exército desfilaram pelas ruas da cidade sob aplausos da população, que assistiu acuada ataques de bandidos, saques e desordem dos últimos dias. Chegaram também 200 efetivos da Força Nacional. Mesmo assim, ontem a tensão continuou, desta vez com os militares tendo que interferir no conflito entre familiares de PMs e a população em frente aos quartéis.
A economia está sentindo fortemente o efeito dos últimos dias de caos. Um empresário conhecido da área de varejo pensa em não reabrir parte das lojas que foram saqueadas. Ele já sentia os efeitos da crise, e agora avalia se vale a pena repor os estoques que foram levados pelos saqueadores.
O Espírito Santo vinha sendo apontado como exemplo na segurança pelo esforço feito nos governos Renato Casagrande e Paulo Hartung, de construção de presídios. O que mudou o quadro inteiramente foi a greve da Polícia Militar que, mesmo ilegal, permanece.
Há muitos problemas embutidos nesta crise. A Constituição estabeleceu que a segurança é atribuição dos estados, mas o assunto se federaliza cada vez mais. Ainda que os eventos sejam locais, houve uma nacionalização das organizações criminosas. O assunto é complexo, exige a presença federal, mas a eclosão da crise capixaba ocorre no mesmo momento em que o Ministério da Justiça e Segurança está acéfalo. O ministro já não tinha mesmo cabeça nos últimos dias para nada mais que não fosse sua ida para o STF. O governador Hartung antecipou a alta e viajou ontem mesmo para o estado, mas por ordens médicas terá que ficar em repouso.
Um dos problemas que extrapola o Espírito Santo e chega a todos os estados é a elevação dos gastos com segurança. Eles estão crescendo em parte pelas regras que permitem a aposentadoria precoce. O custo dos inativos pesa em todos os estados, travando os salários do pessoal da ativa. Em São Paulo, o mais rico da federação, a folha salarial dos 88,3 mil militares da ativa representa um custo de R$ 490 milhões por mês. Já o déficit coberto pelo governo, provocado por pensionistas e inativos, é quase igual, R$ 463 milhões. São 57 mil inativos mais 37 mil pensionistas, segundo a Secretaria de Comunicação do estado. O que é arrecadado com as contribuições não paga o total de benefícios, que precisa ser financiado pelo governo. Tudo somado, a folha mais o déficit da área de segurança chega a R$ 953 milhões por mês no estado.
No Rio Grande do Sul houve uma série de aumentos salariais na área de segurança. A medida foi adotada pelo governo Tarso Genro, do PT, com a aprovação de todos os partidos, na Assembleia gaúcha. Os percentuais foram acima da inflação e agravaram a crise fiscal do estado. No Rio, o governador, Luiz Fernando Pezão, diz que é comum aposentadorias na faixa de 48 anos entre policiais e bombeiros do estado. O ex-comandante geral da PM, coronel Pinheiro, já estava na reserva aos 49 anos. O mesmo problema ocorre no Espírito Santo. Em São Paulo, para cada um coronel da ativa há 22 inativos.
A crise aguda do Espírito Santo pode ser resolvida nos próximos dias, mas os problemas crônicos na área de segurança permanecerão presentes em todos os estados.
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