quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Despesas do governo central crescem acima da inflação – Editorial | Valor Econômico

O governo central conseguiu melhorar o resultado fiscal estimado para o ano passado - um déficit de R$ 154,2 bilhões (2,4% do PIB), ante estimativa de R$ 170 bilhões. Quando o governo de Michel Temer assumiu em maio e apresentou um plano que contemplava um rombo de R$ 170 bilhões, havia a suspeita, confirmada agora, de que existia "gordura" no objetivo e ela foi providencial tanto para amortecer atritos com o funcionalismo, que receberam aumentos e elevaram a folha salarial em R$ 25 bilhões no ano, como para permitir que a aprovação da PEC dos gastos pudesse estrear em 2017 em um cenário mais favorável, com as despesas descomprimidas. No mesmo plano fiscal, nenhum superávit primário foi previsto no atual governo.

Não há dúvidas de que a gestão fiscal melhorou bastante, ainda que essa não fosse a mais árdua das tarefas para quem sucedesse o secretário do Tesouro de Dilma Rousseff, Arno Augustin. É inegável também que a situação das contas públicas se mostrou muito mais grave do que se poderia imaginar e que a centralidade de um acerto estrutural é urgente e a coisa certa a fazer.

Os grandes números mostram que as despesas continuaram crescendo acima da inflação, enquanto que a receita líquida teve contração 4,1% em termos reais. O Tesouro aponta queda real de 1,2% para os gastos no ano passado, mas não foi levado em conta o pagamento obrigatório de R$ 55 bilhões de "pedaladas fiscais" em dezembro do ano passado, que não dizia respeito ao exercício e deveria ser descontado da comparação. No final, com esse desconto e outros menores, a despesa total do governo central no ano passado cresceu 11,6% nominais, para R$ 1,23 trilhão (Valor, Ribamar Oliveira, ontem). Há que considerar que a equipe econômica de Temer tomou as rédeas da execução fiscal só pela metade do exercício de 2016.

É intrigante que desta vez os gastos obrigatórios tenham caído em doze meses, enquanto que os discricionários subiram, o que em tese contraria a premissa comum de que os primeiros, por sua magnitude e rigidez, tornam quase impossível a compressão dos segundos, ao qual deixam estreita margem. Os números mostram que a retirada dos R$ 55 bilhões das pedaladas explica essa queda, mas não só eles.

Houve redução de R$ 33,6 bilhões (a preços de dezembro) dos gastos com subsídios, subvenções e Proagro. A rubrica de subsídios com o Programa de Sustentação dos Investimentos encolheu R$ 22,1 bilhões de um ano para o outro (redução de 67,6% em termos reais), e a do Pronaf, programa de apoio à agricultura familiar, perdeu R$ 5,4 bilhões (queda de 50,6% a preços de dezembro). Essas foram as duas maiores contribuições para redução de gastos obrigatórios.

As despesas discricionárias deram salto nominal de 12%, enquanto que a dos demais gastos do Executivo avançaram 17,7%. Com gastos acima da inflação, houve poda de 17,8% (descontada a inflação) no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que perdeu R$ 9,2 bilhões. Dentro do PAC, o programa Minha Casa Minha Vida foi o que mais definhou. Houve recuo real de 64,3% e uma diminuição de recursos de R$ 14,5 bilhões, para R$ 8 bilhões. As demais despesas discricionárias avançaram R$ 17 bilhões (preços de dezembro). Do aumento dessas despesas, a saúde ficou com R$ 6,5 bilhões (aumento real de 6,8%), educação, defesa, desenvolvimento social e tecnologia tiveram menos gastos e os demais órgãos do Executivo elevaram gastos em R$ 15,1 bilhões, ou a maior parte da conta.

De uma maneira geral, o ajuste de 2016 foi pelo caminho mais rápido e sempre trilhado, o do corte de investimentos, entre eles subsídios de alguns programas sociais. Os gastos com a saúde se posicionaram melhor para 2017, quando entra em vigor o teto de gastos pela inflação. Em relação às demais despesas, a abordagem foi mais prudente e menos severa.

A gestão em 2016 foi um período de transição para o primeiro orçamento concebido e administrado pelo governo Temer, que exigirá dose de aperto maior. O teto de despesas foi fixado em R$ 1,301 trilhão, com correção de 7,2% sobre R$ 1,21 trilhão de 2016, ainda acima da inflação, que deve fechar perto de 4,5%. O déficit previsto é de R$ 139 bilhões. O tamanho do esforço ficará por conta da reação da receita, isto é, de que a previsão de recuperação da economia se concretize no segundo semestre. Até lá será preciso fazer contingenciamento, possivelmente na casa dos R$ 30 bilhões.

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