As condições de crédito dificilmente terão crescimento real no ano, depois de um brutal aperto em 2016. A queda dos juros, que poderá ser mais acentuada do que o previsto, pode criar um incentivo importante para a retomada do crédito. Por outro lado, o alto endividamento de pessoas físicas e empresas, que vem caindo, mas é alto, fará os bancos adotarem conduta ainda mais conservadora do que já é nas concessões. O desenrolar do processo de desalavancagem definirá, em grande medida, não só a volta do crédito como o ritmo da recuperação da economia. Os números do endividamento apresentam alguma melhora e dão a possibilidade de uma lenta distensão nos empréstimos ao longo do ano - haverá contenção, ainda que bem menor do que no ano passado.
A forte freada no crédito decorreu da combinação inédita de uma recessão de profundidade incomum com os efeitos da Operação Lava-Jato sobre alguns dos maiores grupos empresariais do país, especialmente na área de construção e petróleo e gás. As recuperações judiciais dispararam nos últimos dois anos, quando cresceram quase 50% ao ano - em 2016, foram 1863. "O risco materializou-se no crédito concedido a grandes corporações", avalia o Relatório de Estabilidade Financeira de abril do Banco Central. Nesse caso estão as empresas deslocadas direta ou indiretamente pelas investigações sobre corrupção.
Essa conjunção negativa inédita levou os bancos a renegociarem e reestruturarem os créditos em atraso ou em risco provável de calote em uma dimensão imprevista, multiplicando o volume a sua carteira de ativos problemáticos. Entre dezembro de 2015 e dezembro do ano passado, ela dobrou de 4% para 8% dos empréstimos concedidos a pessoas jurídicas, cujo estoque encerrou 2016 em R$ 747 bilhões (crédito livre). Além disso, 3,4% do crédito total foram baixados como prejuízo no ano passado - R$ 111,6 bilhões, o maior valor desde 2011.
Embora o risco de uma quebradeira preocupante de empresas tenha ficado para trás, a economia ainda não voltou a crescer e a saúde financeira das empresas - em grande número, no caso das pequenas e médias - está longe da boa forma. "O risco de crédito a corporações permanecerá elevado no curto prazo", prevê o relatório do BC.
O valor nominal da inadimplência das pessoas físicas não cresce desde o início de 2016, e o das empresas, desde junho. A melhoria, porém, é atribuída pelo Banco Central às baixas e aumentos dos montantes de reestruturações e renegociações. Há desalavancagem na dívida de ambos, tanto por medidas de ajuste necessárias para uma readequação como por um forte empurrão das instituições financeiras. No caso das empresas, seu endividamento bancário doméstico recuou 10,8% em 2016.
Os empréstimos para pessoas físicas ainda estão aumentando em termos nominais (3,19%), em velocidade bem mais reduzida do que há um ano, e a inadimplência estacionou ao redor de 4% das operações. O endividamento total recuou a 42,2% e, excluindo os compromissos com financiamentos imobiliários, diminuiu para 23,62% em dezembro - o menor percentual em 5 anos, desde dezembro de 2011. Em breve, se a sangria do desemprego estancar, poderá haver algum espaço para novos gastos financiados.
O endividamento líquido das empresas diminuiu 6,6% no ano passado, pelos dados compilados pelo Valor Data, excluindo-se deles a Petrobras, a Vale e a Eletrobras. Sua alavancagem financeira (relação entre dívida líquida e patrimônio líquido) caiu de 64,8% para 61% (Valor, 5 de abril). A valorização do real suavizou o peso das dívidas em dólar e a redução dos juros, cujo ritmo vai se intensificar, começou a ter o mesmo efeito. Ao analisar empresas de capital aberto com passivos financeiros maiores que ativos financeiros, o BC constatou que 42% dos ativos e 22% dos passivos deles estão indexados ao CDI. Um exercício mostrou que a redução da estrutura a termo dos juros pós-fixados ocorrida entre setembro de 2016 e janeiro deste ano trouxe um pequeno alívio líquido de -0,66% nos juros da dívida. Os setores petroquímico e de energia teriam sido os mais beneficiados.
Sem que as amarras do crédito sejam desatadas, a expansão da economia será retardada e lenta. Os juros em queda criarão um importante espaço para isso.
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