- Folha de S. Paulo
Quando o Império Britânico bateu à porta do Império do Meio, no final do século 18, os chineses reagiram de maneira peculiar. Queriam discutir até se um enviado de Londres deveria se agachar com um ou dois joelhos na presença do monarca asiático.
Cerrada em seu imenso mundinho, a dinastia Qing ignorava a força da mais poderosa Marinha do planeta, como descreve Henry Kissinger numa deliciosa passagem do livro "Sobre a China".
Os asiáticos empacotaram inocência e malandragem numa relação de idas e vindas. Embrulharam os britânicos por décadas até a humilhação do Tratado de Nanquim, que abriu caminho para a cessão de Hong Kong.
Como o mundo dá voltas, agora cabe à Inglaterra correr atrás do dinheiro chinês, e a ilha rochosa virou um megacentro financeiro, mas a bandeira que lá tremula não é a da rainha. Os chineses podem ser tudo, menos ruins de estratégia.
Já Kissinger pode ser tudo, menos bobo. Mentor da reaproximação entre EUA e China em 1972, ele é também, aos 93 anos, o operador oculto do encontro de dois dias entre os presidentes Donald Trump e Xi Jinping, a partir desta quinta (6), na Flórida.
Não é uma reunião diplomática qualquer. As duas potências congregam cerca de 40% do PIB do planeta. Nenhum ocupante da Casa Branca foi tão agressivo com os chineses como Trump tem sido desde a campanha. Acusou-os de manipular o câmbio e "roubar" empregos americanos. Provocou-os ostensivamente telefonando para a presidente de Taiwan após a eleição.
Os dois dias de convívio com o profissionalismo filosófico da ditadura chinesa devem explicitar quanto dessa verve do americano era só bravata.
Se por acaso Trump der ouvidos a Kissinger, dificilmente vai repetir a estratégia que adotou com a chanceler alemã, Angela Merkel. Os chineses são muito melhores do que ele em simular surdez.
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