- Valor Econômico
Fixado o teto, é preciso ter regras claras que definam as prioridades e a composição dos gastos públicos
No mês passado defendi nesta coluna que, para sair da crise com crescimento, uma pequena desvalorização cambial e sua estabilização poderiam ter um papel estratégico na atual conjuntura. Todos concordam que iniciamos uma recuperação cíclica, mas lenta e gradual. Raros são aqueles, mesmo os mais otimistas, que acreditam que em seguida vamos voltar a crescer 4% ao ano, de forma sustentada. Por que este pessimismo geral em um quadro de recuperação cíclica?
De fato, faltam algumas condições básicas para a retomada do crescimento. As taxas de juros são anormalmente elevadas no Brasil, mesmo com a previsão de forte queda até o final deste ano, para uma economia globalizada em que vivemos. As taxas de poupança e investimento são excessivamente baixas no Brasil. Os consumidores e as empresas estão endividados. A produtividade tem crescido muito lentamente. Os gargalos são imensos não só na infraestrutura física, mas também devido às restrições impostas pelo "Custo Brasil".
Como reativar o crescimento neste quadro? Não há espaço para podermos lançar mão da política fiscal, ao contrário, só estamos superando a grave crise de confiança com a fixação constitucional dos tetos de gastos e o envio do projeto de reforma da Previdência ao Congresso Nacional. Dado o grau de comprometimento da renda disponível do consumidor brasileiro com o serviço da dívida e elevada alavancagem financeira das empresas, o afrouxamento maior na política monetária não terá o efeito típico anticíclico que uma expansão de crédito poderia ter em condições normais.
Estamos vivendo uma situação com certa semelhança a uma crise financeira, a recuperação só se normalizará no médio ou longo prazos, a exemplo do que vem ocorrendo nos países desenvolvidos. Em situação de superendividamento, paga-se primeiro a dívida reduzindo o consumo, reduzida a dívida a política monetária volta a ter efeito normal. Assim como não há espaço para uma política fiscal expansionista, a não ser que queiramos virar uma Grécia ou uma Venezuela.
Como política de curto prazo, a única opção que nos resta é uma nova política cambial cuidadosamente implementada para recuperar as margens de lucro (taxa de poupança) das empresas do setor de tradables e, para ter maior estabilidade ao longo do tempo. Veja que o canal de transmissão da política cambial aqui enfatizada é a recuperação da margem de lucro das empresas no setor de tradables, e não exportações e substituição de importações. Cabe observar também que, como a desvalorização cambial tem efeito expansionista e contracionista é preciso alcançar um ponto de ótimo que maximize a taxa de investimento. É o que tratamos nesta coluna no mês passado.
Onde existe uma grande lacuna a ser preenchida se refere a políticas de longo prazo, que tragam mudanças mais estruturais.
Em primeiro lugar, a nova lei fiscal de teto nominal nos gastos precisa de medidas complementares para ganhar plena credibilidade. Uma vez fixado o teto, é preciso ter regras claras que definam as prioridades e a composição dos gastos públicos. Não pode a Constituição definir gastos de pessoal em geral como gastos obrigatórios e portanto, o Executivo interpretá-los como fora do teto e do controle. Todas as indexações e vinculações devem ser extintas. Não há justificativa para que uma determinada legislatura fixe eternamente a expansão de certas despesas orçamentárias. Anualmente, a cada legislatura, cabe aprovar o orçamento, definindo as prioridades, atendendo as demandas da sociedade naquele momento. Se cada grupo de pressão fixar por lei, se apropriar de uma parcela do PIB, indexando ou vinculando, logo a soma das partes será maior que o PIB. Daí teremos, inevitavelmente, estagnação econômica e inflação.
Fixar a dinâmica dos gastos eternamente, por lei, é usurpar o poder dos representantes do povo de defini-los de acordo com as circunstâncias e necessidades de bem-estar da sociedade.
Em segundo lugar, o ajuste fiscal é necessário não só para que o setor público seja solvente, gerando superávit primário, mas é prioritário que tenha superávit em conta corrente, para que tenha poupança pública positiva para financiar os investimentos públicos, para promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar geral da sociedade, esse sim objetivo primordial da política fiscal.
Em terceiro lugar, é preciso uma reforma monetária, com desindexação geral da economia e redução da meta de inflação. E para tornar a política monetária mais eficaz é preciso acabar com a taxa de juros Selic e a indexação dos ativos financeiros à taxa diária de juros. Não faz sentido, na ponta curta da curva de juros pagar a taxa Selic, que corresponde à remuneração de um investimento de longo prazo num título público. Esta jabuticaba, que privilegia certos interesses e aprisiona quase toda poupança do país no overnight e operações compromissadas, tem que acabar.
Em todos os países do mundo cabe ao banco central determinar a taxa de juros pré-fixada para fazer política monetária, em regra a taxa de juros do "overnight". Assim toda a curva de juros no Brasil despencaria e mais importante, o mercado trataria de criar o segmento longo e assim desenvolveríamos o mercado de capitais de longo prazo, que não existe aqui. Daí não faria mais sentido o Tesouro subsidiar o BNDES.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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