terça-feira, 27 de junho de 2017

Gilmar Mendes diz que república de promotores e juízes seria decepcionante

Em São Paulo, ministro defende discussão urgente da reforma política

Mariana Sanches, O Globo

SÃO PAULO - O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes defendeu na tarde desta segunda-feira que o Brasil precisa discutir a reforma política como um “tema urgente” ao país. Segundo ele, porém, a solução não sai do Judiciário. Nas palavras do ministro, uma república de promotores ou de juízes seria decepcionante.

— Já trocamos os políticos que buscam votos pelos militares. Alguém pode imaginar que pode agora trazer uma república de promotores ou de juízes. Creio que ficarão decepcionados com o resultado — disse o ministro, que completou o raciocínio arrancando risos da plateia:

— Até com gestores, nós juízes e promotores não somos lá muito bons. Se nós considerarmos os paradigmas que adotamos na gestão, se nós fossemos administrar o deserto do Saara talvez faltasse areia. Portanto moderação com esse tipo de pretensão, com quem sonha com democracia de juiz, ou com uma ditadura de juiz.

A fala do ministro aconteceu em um seminário sobre o assunto organizado pela Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). O anfitrião do evento, o político Paulo Skaf (PMDB), foi chamado de “meu amigo” por Gilmar, que teceu duras críticas à atividade de magistrados e procuradores.

Enquanto o ministro discursava, algumas dezenas de pessoas se concentravam em frente ao prédio da FIESP, na avenida Paulista, pedindo o impeachment de Gilmar e expressando apoio ao juiz relator da Lava-Jato, Sergio Moro. Ele não chegou a se encontrar com os manifestantes.

Gilmar defendeu que se volte a cogitar a possibilidade de uma mudança de regime de governo, com a possibilidade de instituição do parlamentarismo:

— Nesses anos da Constituição de 1988 dois presidentes terminaram o mandato antecipadamente por impeachment. Já é um case no mundo todo. O uso do impeachment inclusive como mecanismo de superação de um quadro de ingovernabilidade. Então não seria hora de voltarmos a discutir, a partir de uma reforma político-eleitoral sensata, que trouxesse cláusula de barreira, a proibição de coligação, que discutisse talvez um sistema eleitoral mais adequado à nossa realidade e com isso, um financiamento adequado de campanha... Chegar a hora de discutirmos o próprio sistema de governo.

Será que nós não devemos pensar em resgatar aquelas ideias que estavam tão vivas sobre debate da constituinte de 88, de parlamentarismo ou semipresidencalismo? Será que não seria oportuno voltar a revisitar esses temas? — questionou, sem isentar de crítica o próprio STF que barrou um projeto de cláusula de barreira já aprovado pelo Congresso e criou regras de fidelidade partidária que teriam fomentado a criação de novos partidos.

Gilmar encerrou sua fala retomando, indiretamente, o tema da lei de abuso de autoridade. O ministro chegou a ser flagrado em um grampo de conversa telefônica com o senador afastado Aécio Neves (PSDB) em que articulava com ele uma estratégia para que o Congresso aprovasse limites à atuação do MP e do Judiciário. O projeto foi visto como uma tentativa de barrar a operação Lava-Jato. Gilmar deixou claro que acredita que os políticos devem colocar limites à atuação de investigadores e magistrados.

— Ainda ontem eu conversava com um importante político e ele me dizia: “Qual é o limite que se pode estabelecer em relação a avanços que o Judiciário ou o Ministério Público venham a fazer em relação ao estamento ou ao segmento politico?” Difícil dizer. É fundamental que se saiba quais são as competências (de cada poder), competência é limite de poder por definição. Mas é muito difícil a auto-contenção. É preciso que o próprio estamento, que o próprio parlamento diga:

“Esse é o limite, não vá além disso, sob pena de estar pervertendo o equilíbrio de poderes e o sistema de checks and balances”. A resistência tem que vir do próprio sistema político a dizer a nós (Judiciário): “Isso não está no sistema constitucional, é uma extravagância” — disse, sem revelar quem era o político interlocutor.

Em tom alarmista, o ministro afirmou que “boas intenções pavimentam o caminho do inferno”. Gilmar deixou o evento sem falar com a imprensa.

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