Há, é certo, um efeito da profunda recessão no comportamento dos preços, mas o arrefecimento deles abre espaço para mais cortes nos juros, com vários reflexos positivos
Faz 23 anos do lançamento do Plano Real, quando chegou ao fim o longo ciclo de alta dos preços, culminando, como acontece nesses casos, num surto de hiperinflação. Há, portanto, jovens adultos brasileiros para quem fazer o máximo de compras no supermercado no dia do recebimento do salário, para preservar algum poder aquisitivo, é algo de um outro mundo.
Mas, para os atuais quarentões, vítimas e testemunhas da inflação sem controle e da subjugação dela, foi possível sentir a diferença entre os dois planetas. Sabem que a estabilização da moeda não tem preço, sem trocadilho. Os mais jovens também experimentaram, no final da experiência lulopetista, com Dilma Rousseff, a volta da inflação aos dois dígitos, numa conjugação maligna com recessão e desemprego. É uma mistura letal.
Entre os ingredientes da crise que defenestrou legalmente Dilma Rousseff do Planalto, o principal, a base jurídica do impeachment, foi a desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, crime passível de punição com a perda do mandato. E assim foi. Um subproduto desta ilegalidade foi a inflação acima de 10%, enquanto a produção mergulhava. A rejeição a Dilma confirmou que inflação baixa passara a ser patrimônio da sociedade. Espera-se que, enfim, haja sido exorcizado o venenoso preceito “desenvolvimentista” de que um pouco de inflação é bom, para permitir algum desenvolvimento. Pecado mortal, mais ainda numa economia como a brasileira, ainda intoxicada de indexação.
Dentro deste panorama, a deflação de 0,23% em junho, a primeira em 11 anos e a maior em quase duas décadas, foi bem-vinda. Nem toda deflação é boa notícia. Quando se torna crônica, como durante duas décadas no Japão, provoca tantos ou mais estragos que uma hiperinflação: a população adia o consumo à espera de preços mais baixos, a produção (PIB) cai, o lucro das empresas encolhe, como se tudo estivesse sendo tragado pelo buraco negro da queda de preços.
Na deflação brasileira inexiste qualquer fator de uma crise dessas. Há, é certo, um efeito da histórica recessão por que o país passou — cerca de 8% em dois anos, pelos erros lulopetistas. Porém, preponderou o reflexo de uma safra recorde sobre os preços dos alimentos —, em junho, queda de 0,93%. Somem-se um corte médio de 5,52% nas tarifas de energia, devido à troca de bandeira, e o arrefecimento de preços de combustíveis, conectados ao mercado internacional, devido à nova política da Petrobras de realismo tarifário.
Esta deflação permite, ainda, que o Banco Central mantenha a tendência de corte de juros, o que estimula consumo e investimentos, além de ajudar no ajuste fiscal. Outro vento favorável é que, pela regra do teto de gastos, as despesas primárias do ano que vem só poderão aumentar 3%, um índice civilizado.
A crise política é um freio forte na economia. Mas a conjuntura econômica pode, em alguma medida, compensar efeitos negativos.
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