- O Globo
A situação política chegou a tal ponto de esterilização que não existe nenhum grupo político com capacidade de impor sua posição sobre os outros, não havendo maiorias claras em nenhum campo de batalha eleitoral. As disputas não dão frutos.
O presidente incumbente festeja uma vitória artificial na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), porque forjada em substituições de membros da própria base, o que prenuncia uma possibilidade forte de derrota no plenário com a decisão de realizar a votação em agosto, após o recesso parlamentar.
O governo não teve força política para adiar o recesso parlamentar, muito menos para mobilizar número suficiente para a votação, que não se realizará porque nenhum dos dois lados tem capacidade de mobilizar o número necessário para obter o quórum mínimo para início da votação, que é de 342 deputados presentes no plenário. O número tem sua lógica.
Como são necessários 342 votos para aprovar a continuação do processo contra o presidente da República, a votação só pode começar com esse número mínimo de presenças, pois caso contrário a eleição já começava decidida a favor do governo.
O fato de a oposição não ter votos suficientes no momento para derrotar o governo denota que a Câmara encontra-se dividida, com o governo vendo dissipar-se a maioria que controlava, acima de 400 deputados, que lhe dava garantia de poder aprovar até mesmo emendas constitucionais polêmicas como o limite de gastos, ou a reforma da previdência.
Temos então uma oposição que não tem maioria para derrotar o presidente, e um governo que não tem votos para viabilizar sua permanência no comando do país. Há um impasse político relevante que, se mostra que o presidente Michel Temer continua tendo força parlamentar para lutar pela permanência no governo, revela também que esse governo, mesmo mantido, não tem mais condições de fazer grandes coisas. O máximo a que pode aspirar é equilibrar-se no poder como o ex-presidente Sarney no último ano de seu governo, à espera de se transformar em saco de pancada na eleição presidencial de 2018.
Esse processo eleitoral, por sinal, deverá ser muito tumultuado, com uma judicialização excessiva, podendo ficar sub judice em alguns momentos, porque Lula, que já se lançou pré-candidato à Presidência novamente, pode recorrer a várias instâncias. A começar para pleitear o direito de ser candidato, caso a decisão do TRF-4 confirmando a sentença saia mesmo, como indicou seu presidente, no mês de agosto do próximo ano. Esse será o mês das convenções dos partidos políticos, e se Lula for condenado em segunda instância, talvez nem consiga permissão para se apresentar à convenção do PT.
Mas, mesmo condenado em segunda instância antes das convenções que escolhem os candidatos, ele pode pedir efeito suspensivo no Tribunal Superior Eleitoral, pode recorrer depois até ao Supremo Tribunal Federal, e como há juristas de um lado e de outro, as discussões se tornam infindáveis.
Radicalizar a campanha é o único caminho para ele, e é o que vai fazer. Vai tentar polarizar a opinião pública — o que já está fazendo —, mas ficará exposto cada vez mais, e a rejeição a ele, já muito alta, tende aumentar. Lula corre o sério risco de conseguir se candidatar e chegar à eleição muito prejudicado, com grandes chances de ser derrotado. Sem falar que ainda poderá ser condenado em outros processos, flancos abertos nas discussões da campanha presidencial, mesmo que essas condenações não possam ser julgadas em segunda instância a tempo de inviabilizar sua candidatura.
Temos, portanto, o maior líder popular do país em uma situação singular: aparece em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais, mas não consegue ser favorito no segundo turno pela alta taxa de rejeição. E não tem mais força política para mobilizar movimentos sociais significativos diante do anúncio de sua condenação.
São previsíveis manifestações maiores nos próximos dias, mas que podem também ser o gatilho para despertar a maioria silenciosa que soltou foguetes com a notícia da condenação. Sem falar que outros líderes populistas de direita radical, como o deputado federal Jair Bolsonaro, mostram-se capazes de reunir multidões fanatizadas nos centros urbanos, a contestar a supremacia populista da esquerda lulista.
De partido que era o contraponto ao PT, disputando sempre as últimas eleições no segundo turno depois de ter governado o país por 8 anos com Fernando Henrique Cardoso, as agruras da Operação Lava-Jato acentuam no PSDB um comportamento dúbio, que não o coloca mais como alternativa ao PMDB, ao qual está amarrado inexplicavelmente num abraço de afogados, ou ao PT.
Essa esterilização política não produz, por sua própria natureza, entrechoques de relevo entre as forças em disputa, mas o país sofre sem perspectivas políticopartidárias que preencham um centro eleitoral em busca de uma saída de equilíbrio para a crise em que estamos metidos.
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