Valor Econômico
Delfim propõe eleições solteiras, como na França
Não é óbvio que na eventual troca de Michel Temer por Rodrigo Maia na Presidência da República a equipe econômica permanecerá intacta. Essa é uma conversa que ainda não houve, sustentam os dois lados, até porque seria uma traição a Temer tê-la explicitada agora. Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, esteve com o presidente da Câmara na segunda feira, mas o assunto teria sido outro: a crise no Rio e a medida provisória da reoneração da folha de salários, que Maia não colocou em votação e pode caducar em agosto.
A balança se move diariamente, um dia pendendo para Maia e, no outro, favorecendo a permanência de Temer. Ontem a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara rejeitou por 40 a 25 o relatório do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ) a favor da autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue se Temer cometeu crime de corrupção passiva.
Em seguida aprovou relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que vai a plenário, contra a denúncia por 41 votos a 24. Ainda ontem, porém, por influência do presidente da Câmara, foi adiada para o retorno do recesso parlamentar a votação em plenário do novo relatório. Para Temer, depois da vitória na CCJ, seria melhor que esse assunto fosse resolvido o mais rápido possível.
O mercado está convencido que um novo presidente, para um mandato-tampão, não se arriscaria a comprometer o processo de ajuste que está na base do programa do governo. Com Temer, Maia ou qualquer outro que ocupar a cadeira no Palácio do Planalto, o caminho do ajuste e das reformas é inexorável. Essa é uma segurança que se reflete nos preços dos ativos.
A euforia, na quarta-feira, quando da condenação do ex-presidente Lula pelo juiz Sérgio Moro, foi a demonstração de que a sucessão em 2018 está, também, na raiz dos pesadelos do setor privado em relação ao futuro da política econômica. Nesse sentido, o maior risco é que Lula seja eleito e seria bom tê-lo fora do jogo político. A condenação em primeira instância não tira o ex-presidente da sucessão presidencial, mas foi um primeiro passo nessa direção que animou os mercados de ações, cujos preços subiram, e de juros e de câmbio, que caíram.
Parlamentar por cinco mandatos, o ex-ministro Delfim Netto, que dispõe de larga experiência no Executivo, tem sérias dúvidas sobre a permanência da equipe econômica se Maia assumir: "Acho uma graça se dizer que se o Maia substituir Temer ele manterá os integrantes da área econômica. Quem pode garantir isso? O Maia não tem poder para apoiar a política econômica do Meirelles. Uma coisa é o parlamentarismo de ocasião montado pelo Temer, que não seria candidato após a transição. Outra coisa é Rodrigo Maia que já assumiria como candidato a um novo mandato presidencial".
A manipulação dos votos no Congresso é algo muito complexo, na avaliação de Delfim: "É um sonho imaginar que alguém controla o Congresso. O Congresso tem sua própria lógica interna, ditada pelos seus interesses".
O ex-ministro defendeu e continua a defender a permanência de Temer até dezembro de 2018 para concluir a transição, ciente de que "essa é a pior das soluções, mas é melhor do que qualquer outra". Nesse caso, acrescenta: "No dia 1º de janeiro de 2019 começaria o processo contra ele [Temer], que não será perdoado".
Delfim adiciona mais uma proposta ao cenário da atuação do Congresso até o fim deste mandato. " Estou convencido que a única reforma constitucional que deveríamos estar fazendo é a que foi feita na França por De Gaulle: elege-se o presidente em uma eleição solteira e, 15 dias depois, elege-se o Legislativo para que haja uma coincidência de interesses e uma maioria mínima para o presidente governar".
No Brasil, as eleições do presidente e de deputados e senadores são casadas e prevalece a teoria de que para melhor controlar o eleito é preciso eleger também o seu inimigo, em uma lógica política do ganho zero. Assim, o presidente da República nunca tem maioria no Congresso, ficando refém de coalizões que mais parecem colisões.
Com a experiência de cinco décadas na vida política - no Executivo, no Legislativo ou como conselheiro e observador dos governos do PT e do PMDB de Temer, ao qual é filiado -, Delfim avalia que a delação dos irmãos Batista, da JBS, foi dramática e reduziu muito, mas não enterrou de vez, todo o processo das reformas.
A aprovação da reforma trabalhista pelo Senado por 50 votos a 26, esta semana, é uma amostra de que ainda há uma possibilidade de, talvez, se votar pelo menos a idade mínima para a aposentadoria.
A proposta de ampla reforma da Previdência, no entanto, se não for aprovada agora, terá que ser em 2019. "A aritmética é mais forte do que a política e em algum momento as restrições físicas vão mostrar que não há poder político capaz de superá-las", diz Delfim. Por essa razão, a oposição deveria estar colocando o peso da sua aprovação na conta de Temer, que não tem popularidade a perder e já anunciou a recusa de novo mandato. Os próximos mandatários ficariam com o bônus de ter uma solução equacionada para tamanho abacaxi.
Fundo de campanha
A demora do Congresso em aprovar o fundo público de financiamento de campanha, no âmbito das discussões da reforma política, deixa inquietos os órgãos de governo que atuam na área de combate ao crime organizado, especialmente tráfico de armas e drogas. Há, nesses setores, a preocupação de que, na ausência do financiamento privado e de restrições ao financiamento público, uma parte dos candidatos a deputados e senadores nas próximas eleições, em outubro de 2018, seja bancada pelo dinheiro do tráfico de armas e de drogas. Nessa hipótese, o alto comando dos órgãos de defesa temem que o Brasil esteja abrindo um canal para o narcotráfico se infiltrar no Estado, tal como ocorreu no México.
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