- Valor Econômico
Bolsonaro já age como se Lula fizesse parte do passado
Não há, no sistema partidário brasileiro, ninguém que seja o dono de todas as cartas do baralho há 37 anos, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao PT. O petista tem 72 anos, e passou mais da metade de sua vida como o caudilho de sua agremiação, seja diretamente ou por prepostos. Na realidade brasileira de hoje, o petismo não existe, existe o lulismo, e não é razoável imaginar que haverá qualquer dissociação entre o líder supremo e a sigla em 2018.
No limite, o cacique pode ser encarcerado em plena campanha e concorrer a presidente na condição de preso, algo que soa absurdo, mas que está dentro das regras jurídicas brasileiras, como mostrou reportagem de Ricardo Mendonça e Sérgio Ruck Bueno publicada na edição de anteontem do Valor. O mais provável, entretanto, é que a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre a sentença de Moro saia antes do registro de candidaturas, segundo o que disse o presidente da corte, Thompson Flores, em entrevista ontem à rádio Band News.
A eleição em 2018 já está judicializada. O PT e Lula não agirão previamente a uma possível confirmação em segunda instância da sentença, situação que não somente manda o ex-presidente para trás das grades como o inscreve na lei da ficha limpa. Esperarão o desenlace.
Uma vez concretizado o pior cenário para Lula, é improvável que prevaleça o radicalismo de Lindbergh Farias, que defende que o partido se auto-exclua do processo e invista na tese da ilegitimidade das eleições. De espaços conquistados não se abre mão, por instituto de sobrevivência. É mais plausível que se escolha um candidato substituto, qualquer um, para manter o discurso e a mobilização das hostes, no interesse inclusive do condenado. Poderia ser o próprio Lindbergh, por que não?
Não tomar posição dispersaria um capital de votos cada vez mais caracterizado por um piso alto e um teto baixo nas intenções de voto. Caso concorra, Lula tende a ficar com o perfil dos candidatos de alta rejeição, que servem de baliza para o segundo turno, daí a esperta estratégia do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) de esquivar-se de falar em Temer para focar no antipetismo de maneira obcecada.
Se não puder concorrer, o sentenciado ou tenta transferir votos, ou assiste à debandada. As pesquisas mostram que, se a natureza seguir seu curso, o lulismo tende a se dividir em partes mais ou menos iguais em quatro vertentes: Marina Silva, Ciro Gomes, voto nulo ou a algum petista. O nome que figura nas simulações é o do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.
Já se fala do prejuízo que Doria poderia ter, caso seja candidato, em um cenário eleitoral sem Lula. Na realidade, é o mergulho de Temer no abismo que está freando o crescimento tanto do prefeito de São Paulo quanto do governador Geraldo Alckmin, que indiscutivelmente exerce mais liderança dentro do PSDB que seu adversário interno.
O governador comandou a operação para manter os sinais vitais de Temer, talvez interessado na aliança com PSDB, centrão e DEM no futuro, talvez com receio de surgir no processo de eleição indireta um novo nome para a sucessão de 2018, quem sabe por pressão de um empresariado que quer a aprovação de uma agenda mínima de reforma, custe o que custar em termos políticos. Seja qual for a razão, Alckmin jamais disse que considera Temer inocente das acusações que lhe são imputadas.
Sem grupo político próprio, Doria foi caudatário e ganhou um condicionante, um freio para moderar a ascensão. O prefeito paulistano tenta avançar pela direita, mas lá está Bolsonaro.
Bolsonaro não está onde está, em segundo lugar nas pesquisas, por um acaso ou um lance de desatino. Do ponto de vista simbólico, ele lucra com os vexames de Temer, ganha fôlego com a desestabilização de Lula, se alimenta do medo que permeia a sociedade, da sensação de ameaça e de vulnerabilidade. É o mais próximo que existe de uma virada de mesa.
O deputado presidenciável é um escoadouro das frustrações com um discurso e uma agenda que está longe da pauta dos jornais e das discussões do que se entende por establishment, como se percebe ao se vasculhar sua conta no Twitter e no Facebook.
Lá Bolsonaro defende a comercialização de armas, reclama do ativismo dos militantes LGBT, afirma que o acolhimento de imigrantes é uma ameaça ao Brasil, diz que o nióbio é um recurso estratégico, advoga o endurecimento da lei penal e adere a proposta da chamada "Escola sem Partido".
Nas últimas semanas Bolsonaro tenta ampliar seu escopo. Começa a expor mais suas opiniões sobre economia, pregando a diminuição do Estado e a retomada de privatizações, mas continua muito discreto em comentar sobre reforma trabalhista ou previdenciária. Três semanas atrás, postou em uma rede social um vídeo defendendo a tolerância com minorias sexuais.
São movimentos claros de quem está reposicionando suas ambições em outro patamar. Bolsonaro começa a acreditar em suas chances e tem razões para isso. A emasculação de Lula e a incapacidade do PSDB em soerguer-se do pântano em que se encontra o alimentam.
Na hipótese de Lula não concorrer, o plano B virá naturalmente e há duas opções para o petista: tornar-se o parceiro estratégico de uma força alheia ao petismo ou marcar posição, com uma candidatura simbólica, apostando na instabilidade do próximo quadriênio. A polarização PT/PSDB em um cenário sem Lula desaparece por completo e Bolsonaro parece mais adaptado a este cenário do que os tucanos. Ciro joga todas suas fichas em ser um herdeiro presuntivo do lulismo e a estratégia de Marina Silva, para variar, está pouco clara.
Caso Lula dispute, a eleição presidencial do próximo ano terá três, e não dois turnos. O primeiro deles será uma prévia informal, em que o eleitorado procurará detectar quem é o melhor nome para matar o dragão vermelho e se opor a tudo que está aí. Este escolhido deve receber voto útil ainda na primeira rodada das eleições. Quem passar pela porta estreita fica em situação privilegiada para enfrentar o petista no segundo turno. Três desembargadores em Porto Alegre participarão da redação deste enredo.
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