A crise venezuelana caminha para um ponto de não retorno. Se o governo de Nicolás Maduro levar até o fim a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte, marcada para o dia 30 - e nada indica que deixará de fazê-lo -, o jogo de forças entre os partidos de oposição e o chavismo se tornará irremediavelmente desfavorável para os opositores. Maduro, por meio de um Tribunal Supremo de Justiça totalmente subordinado, já havia tentado antes eliminar o poder legislativo da Assembleia, dominada pelas legendas de oposição. Teve de voltar atrás, mas com a Constituinte tornará o Legislativo uma relíquia insignificante e apagará um dos últimos rastros de democracia no país.
A convocação da Constituinte, como foi feita, é inconstitucional, e as regras para sua composição são ridículas cartas marcadas para deixar Maduro com as mãos inteiramente livres para fazer o que bem entender. Serão 545 constituintes, eleitos diretamente e com representação de grupos sociais com pesos aleatórios. 335 vagas serão preenchidas por um candidato vencedor em cada município, independentemente de sua população, sistema que dá vantagem aos vilarejos do interior, que votam com o chavismo. 23 vagas estão reservadas para representantes das capitais dos Estados.
Mas não é só. Há uma válvula de segurança para o governo na eleição de 173 constituintes, distribuídas em critérios que só poderiam ser explicados pelos chavistas. Representantes dos estudantes terão 24 cadeiras, dos trabalhadores, 79, camponeses e pescadores, 8, conselhos comunitários 24. Empresários e deficientes terão direito a 5 vagas cada.
Diante da escalada de arbitrariedades, os grupos de oposição fazem manifestações praticamente diárias há 12 semanas. O número de mortos se aproxima dos 80, mas o que os protestos tentam impedir é a morte política dos partidos. Eles enfrentam o dilema entre ficar sem qualquer poder ou participar de uma farsa. Por cometer um erro crasso de avaliação, a oposição se absteve de participar das eleições legislativas de dezembro de 2005 e deixou por anos que uma confortável maioria chavista determinasse a seu bel prazer as leis do país.
O temor da oposição é o fechamento total do regime. Ele é compartilhado por um número crescente de ex-chavistas, como a procuradora Luisa Ortega Díaz, que se insurgiu contra a retirada dos poderes do Congresso. Desde então denuncia o "Estado policial" de Maduro, que reagiu abrindo inquérito contra ela, faz uma devassa no Ministério Público, congelou os bens de Luisa e impediu-a de deixar o país.
Os partidos da Mesa de União Democrática decidiram convocar por conta própria um plebiscito sobre a Constituinte, uma forma de medir as próprias forças e o apoio da população à ideia de Maduro. Ao mesmo tempo, lançou apelo aos militares para que garantam a democracia na Venezuela. Depois de sepultar com manobras um referendo revogatório, o governo deveria ter convocado eleições municipais e estaduais e não o fez.
Diante da impossibilidade clara de alternância de poder ou de um diálogo franco por meios democráticos, as portas se fecharão definitivamente para a oposição. A fresta de possibilidades repousa agora nas dissidências chavistas, que abrigam ex-ministros e alguns militares. Uma reviravolta em massa da cúpula militar contra Maduro parece improvável, pelos laços financeiros que se formaram com o regime. Em um papel em que a escassez de bens de primeira necessidade se tornou geral, os militares são responsáveis pela produção e distribuição de alimentos e pela gestão de banco, TV e algumas empresas estatizadas - 11 dos 32 ministros vestem ou vestiram farda.
Com seus comandos paralelos e milícias, o jogo pesado de Maduro não é um blefe e o presidente está disposto a usar a força necessária. Ontem, cerca de 200 chavistas invadiram a Assembleia e distribuiram sopapos nos deputados. Enquanto uma quantidade crescente de venezuelanos buscam em fuga o Brasil, as sanções e advertências feitas pelo Mercosul nada adiantaram, e nem mesmo negociações com a benção do papa Francisco foram produtivas.
A formação de um "grupo de amigos da Venezuela" é mais uma tentativa de impedir que o país pule no precipício. Nem a situação econômica calamitosa nem a baixa popularidade de Maduro fizeram o governo sequer cogitar qualquer correção de rumos ou abrir canais para envolver a oposição na busca de uma saída da crise. Não será agora que o fará.
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