- O Globo
A defesa do presidente Michel Temer no processo que será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara é mais jurídica do que política. E essa pode ser sua maior falha, no sentido de que, para desvencilhar-se da já famosa mala com R$ 500 mil que seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures arrastou apressado pelas ruas de São Paulo, o advogado Antônio Cláudio Mariz garante que o presidente nunca autorizou Loures a fazer “tratativas espúrias” em seu nome.
Não restará alternativa ao ex-assessor: ou assume a culpa, confessando-se um ladrão solitário que usou o nome de Temer em vão, ou esclarece as coisas em uma delação premiada, que parecia estar a ponto de fazer quando foi providencialmente liberado da cadeia para a prisão domiciliar.
A defesa de Temer, voltando a atacar a gravação feita por Joesley Batista como se fosse ilegal, pretende anular também a mala de Loures, aplicando a teoria dos frutos da árvore envenenada, criação da Suprema Corte americana acolhida no nosso ordenamento jurídico: se uma prova é ilícita, as demais colhidas em consequência dela também o são.
Entretanto, como não há uma relação de causa e efeito entre ela e os depoimentos, estes são válidos. E a mala é um fardo arriscado, pois resta ainda a possibilidade de Rocha Loures ter sido liberado pelo ministro Edson Fachin para, justamente, fazer a delação premiada fora da cadeia. Além do mais, aquelas imagens do ex-assessor de Temer correndo com a mala cheia de dinheiro dificilmente se apaga da memória coletiva por uma teoria jurídica.
O raciocínio da defesa de Temer é semelhante ao dos demais advogados de defesa de acusados na Lava-Jato. Alega Antônio Cláudio Mariz que não existem provas, “nem mesmo indiciárias”, de crimes cometidos pelo presidente da República: “Igualmente, não há nos autos do inquérito um elemento informativo sequer que demonstre que tenha o Sr. Presidente da República cometido ou consentido com a perpetração de eventual crime de corrupção passiva. Tirante as declarações prestadas por Joesley Batista e Ricardo Saud no sentido de que o dinheiro entregue a Rodrigo Loures seria para Michel Temer, não há nenhuma prova sequer indiciária de que tenha ele praticado qualquer ilícito”, afirma a defesa.
Lembrando que é irresponsabilidade da Procuradoria-Geral da República alegar que os R$ 500 mil da mala de Loures eram para Temer, garante a defesa: “A infamante acusação vem desprovida de provas. Não se aponta quem entregou para quem; aonde ocorreu o encontro para a entrega; qual o dia desse encontro, horário. Enfim, dados fundamentais para que não pairasse a pecha de leviandade e de irresponsabilidade sobre esta malévola atribuição. E esses dados não foram colocados na denúncia simplesmente porque inexistem”.
Na verdade, a mala foi devolvida por Rocha Loures depois que o vídeo mostrando-o correndo pelas ruas de São Paulo deixou claro que ele recebera um dinheiro do principal assessor da JBS. Confrontado com as críticas de que a peça acusatória é falha, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse, ontem mesmo, em entrevista a Roberto D’Avila na GloboNews, que todos os elementos estão elencados na denúncia, e que é espantoso que a gravação da conversa de Joesley com o presidente Temer e fatos posteriores não sejam ligados numa cadeia lógica de raciocínio, que se esclarece com as delações premiadas e as gravações de Rocha Loures fazendo tratativas junto ao Cade para favorecer a JBS.
Janot contou que sentiu ânsias de vômito quando recebeu a gravação, por entender imediatamente o que estava sendo tramado naquela noite no Palácio Jaburu. A defesa técnica do presidente não terá muito efeito se o ânimo majoritário for de permitir que o processo vá adiante. E quanto ao papel político, ele pode ser utilizado pelo próprio procuradorgeral, caso aceite fazer a acusação oral na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
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