- Folha de S. Paulo
Acusação "manca e anêmica". Denúncia "chocha, capenga". Afirmações "gratuitas, desprovidas de apoio fático, lançadas a esmo".
Com um estilo próximo da sustentação oral num caso de júri, o advogado Antonio Mariz de Oliveira apresenta em 98 páginas bem espaçadas sua refutação da denúncia apresentada por Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, por crime de corrupção passiva.
"Não encontrou provas, não as crie mentalmente; não se convenceu da culpa, não se violente acusando a esmo; não possui base para denunciar, não o faça", exclama Mariz de Oliveira, dirigindo-se ao procurador-geral da República.
Na parte mais substancial de sua defesa, o advogado afirma que o famoso encontro noturno entre Joesley Oliveira, do grupo JBS, e Michel Temer "é insignificante, nada representa". Afinal, muitas pessoas já foram falar com Temer, sempre um "homem do diálogo". Não seria agora, como presidente, "que se tornaria um ser hermético, arredio, equidistante".
Equidistante? Mariz prossegue. Normal que não tenham pedido a Joesley nenhuma identificação para entrar no Palácio do Jaburu.
Afinal, Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Temer, "marcou a entrevista e deu a placa do automóvel que os transportaria". O advogado acrescenta, em negrito: "esta é a razão pela qual Joesley pode entrar no Palácio. Já havia uma prévia anotação na portaria".
Esclarecido (ou não) esse ponto, a defesa vai ao principal. Qual a prova de que os R$ 500 mil encontrados na mochila de Rocha Loures se destinavam a Temer? Como dizer que Temer recebeu propina, se não recebeu? A responsabilidade por um crime, insiste Mariz, "não pode ser apenas presumida ou deduzida."
Em troca de que favores Joesley teria encaminhado o dinheiro para Rocha Loures? Para Janot, tratava-se de facilitar, junto ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), os interesses de uma empresa do grupo JBS na compra de gás junto à Petrobras.
Ora, Petrobras e JBS chegaram a um acordo sobre o caso sem que o Cade precisasse intervir. A própria Polícia Federal, segundo a defesa, assegura que Rocha Loures não teve influência. Apenas a delação premiada de Joesley afirma o contrário.
Não há como ligar, portanto, a propina a Michel Temer.
A gravação da conversa tem problemas e descontinuidades. Para um perito da Unicamp, há espaço "para a realização de fraudes". E interpretações incorretas também. Num trecho, Joesley supostamente fala de pagamentos feitos "todo mês". Não era isso: ele disse "tô no meio".
Tudo constitui, ademais, "prova ilícita", porque uma gravação sem consentimento viola o direito à privacidade dos cidadãos, sendo meio "espúrio e desleal". É verdade que o relator do caso, Edson Fachin, a aceitou –mas a questão não é pacífica na jurisprudência. Outros ministros do STF, como Marco Aurélio e Celso de Mello, já deram votos contra o uso de gravações clandestinas.
Verdade que, nesses casos, eram gravações de terceiros, sem participação do dono do gravador. Mas usar registro de "conversa própria" como prova só se justifica, afirma Mariz, em caso de "investida criminosa", de achaque por exemplo. No Jaburu, não houve isso.
Houve, na verdade, uma armadilha montada para que Joesley aumentasse o valor de sua delação. Michel Temer não disse, entretanto, nada de comprometedor; indicou Rodrigo Rocha Loures apenas porque Joesley lhe pedira um nome para conversar, não querendo "incomodar" o presidente.
O presidente recusou-se, é verdade, a responder as muitas perguntas que lhe foram dirigidas pela Polícia Federal. O questionário, diz a defesa, era descabido: havia perguntas sobre possíveis motivações de outras pessoas, algumas que Temer nem conhecia.
Em tese, as provas que faltam ao Ministério Público poderiam ser obtidas ao longo do processo, se a denúncia for recebida pela Câmara dos Deputados.
Michel Temer não está acima da lei, admite Mariz de Oliveira. Mas teria de haver mais consistência e responsabilidade na acusação, se se pretende abrir um julgamento que já começa com o afastamento do presidente da República.
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