- O Globo
“Eu quero mudar o Brasil, não quero me mudar do Brasil.” A frase da ministra Cármem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), dita ontem em um debate promovido pela Rádio Jovem Pan em São Paulo, reafirma que ela é boa de frase — várias ficaram famosas, como o “Cala boca já morreu” quando votou a favor da liberação das biografias não autorizadas — mas, sobretudo, mostrou que ela dá consequência às frases sonoras que solta.
Ontem, garantiu na frente do juiz Sérgio Moro que não há nada pautado no Supremo para reavaliar a decisão de permitir a prisão dos condenados em segunda instância por um colegiado. Ela deu a informação após o juiz ter feito um comentário sobre o temor de haver um retrocesso no combate à corrupção no país: “O primeiro ponto é não termos retrocessos. Isso foi um dos grandes problemas da Operação Mãos Limpas na Itália.”
Moro ironizou dizendo que ultimamente está mais preocupado com retrocessos do que com eventuais avanços no Legislativo. Ele se referia à possibilidade de, num novo julgamento, o plenário do STF mudar sua decisão, que foi aprovadapor6a5.
O ministro Gilmar Mendes já anunciou que, na primeira oportunidade, mudará seu voto, invertendo o placar do julgamento e, do ponto de vista dos procuradores da Lava-Jato e de Moro, revertendo uma decisão que tem sido fundamental para combater a impunidade, impedindo que os recursos sucessivos evitem a prisão de um condenado e, muitas vezes, provoquem a prescrição da pena pela demora na Justiça em tomar uma decisão definitiva.
“Não há nada pautado sobre isso. Não há nada cogitado”, disse a presidente do Supremo aos jornalistas, ela que é a responsável pela pauta das sessões. Pela reação da plateia, que aplaudiu o juiz Moro e a presidente do Supremo de pé, a efetividade da prisão em segunda instância — embora a decisão do STF não torne obrigatória a prisão, mas, sim, permita que o juiz a decrete após a condenação do recurso na segunda instância — é percebida como uma arma poderosa no combate à corrupção.
A ministra Cármen Lúcia foi enfática na defesa do combate à corrupção e, lembrando seu conterrâneo Betinho, que criou a Ação da Cidadania contra a Fome, disse que era preciso criar no Brasil a Ação da Cidadania contra a Corrupção: “Ética não é escolha. É a ética ou o caos.”
A presidente do Supremo defendeu que os interesses pessoais devem ser preteridos pelos princípios, pelos valores de uma sociedade, pois “a corrupção é um fator de destruição institucional.” Acabar com os privilégios e transformar o país em uma “República de verdade” foi a receita da ministra Cármen Lúcia para superarmos a crise em que estamos metidos.
O juiz Sérgio Moro defendeu teses seme- lhantes, afirmando que “o combate à corrupção tem de ser suprapartidário. Quando se fala em corrupção da esquerda ou corrupção da direita, já se está no jogo político.” Para ele, é necessária vontade política para a superação desse quadro de corrupção sistêmica, mas isso não depende apenas dos agentes públicos, “depende também da sociedade civil organizada”.
O advogado Miguel Reale Junior, mostrando otimismo, disse que existe “um novo ator político” nas redes sociais e que é possível que saia daí um novo nome para a campanha presidencial de 2018. Já o jurista Modesto Carvalhosa disse que “as instituições estão de costas para a sociedade”, criticando a reforma política que está sendo debatida no Congresso. Ele defendeu a necessidade de um plebiscito para referendar as reformas, mas destacou que muitas delas são inconstitucionais, tese que defendeu ontem em artigo aqui no GLOBO.
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