quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Os riscos à retomada da atividade econômica | Sergio Lamucci

- Valor Econômico

Incertezas fiscais podem atrapalhar recuperação incipiente

A economia dá sinais um pouco mais claros de recuperação, ainda que a retomada seja lenta. Nos últimos meses, a produção industrial teve um desempenho razoável e as vendas do comércio varejista surpreenderam. Em julho, as contratações superaram as demissões no mercado formal de trabalho, com a criação de 35,9 mil empregos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Isso equivale a uma geração de 21,4 mil de postos de trabalho na série com ajuste sazonal calculada por Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon. Foi o primeiro número positivo desde setembro de 2014, destaca ele.

Os juros em queda deverão ser decisivos para sustentar essa recuperação da atividade. O que pode atrapalhar esse quadro, porém, são as incertezas fiscais e a instabilidade causada pela aproximação das eleições presidenciais de 2018.

Como a Selic deverá seguir em baixa nos próximos meses, encerrando 2017 em 7,5% ao ano ou até menos, a economia receberá um estímulo significativo da política monetária. Um crescimento na casa de 2% em 2018 parece factível - para 2017, o mais provável é um avanço inferior a 0,5%. No segundo trimestre deste ano, é possível que o PIB tenha encolhido em relação ao primeiro, feito o ajuste sazonal, uma vez que a agropecuária deve devolver parte da expansão significativa ocorrida de janeiro a março. A partir do terceiro trimestre, contudo, a variação do PIB deve voltar a ser positiva.

É um cenário que está longe de ser exuberante, mas há indicações de que uma recuperação lenta e gradual está em curso e ganhará força nos próximos trimestres. As incertezas em relação à situação fiscal, contudo, podem nublar esse quadro, ainda mais num ambiente em que as dúvidas quanto à eleição presidencial de 2018 tendem a trazer volatilidade aos mercados, com pressão sobre o risco-país e o câmbio. A depender do grau de instabilidade provocado por esses fatores, o investimento em capital fixo pode demorar ainda mais para se recuperar.

Se de fato ocorrer, uma retomada mais firme da economia pode ser um antídoto contra discursos mais populistas na campanha. Para Montero, a pouco mais de um ano das eleições, há uma combinação favorável na economia, marcada por uma recuperação cíclica com pouca inflação, juros ineditamente baixos, alguma melhora do emprego e comida farta, devido à safra agrícola recorde. Além disso, a nova matriz econômica e a ex-presidente Dilma Rousseff podem ser responsabilizados pelo colapso da economia, avalia Montero. Juntos, esses fatores tendem a ser, "no mínimo, uma força contra uma radicalização no cenário eleitoral", segundo ele.

Vistas de hoje, as perspectivas para a inflação são tranquilas. A recuperação gradual da economia, num ambiente de elevada ociosidade, não deve pressionar os preços, abrindo espaço para a Selic seguir baixa por um bom tempo - há inclusive quem aposte em novos cortes no começo de 2018. Os juros menores ajudarão a aliviar a situação financeira de empresas e famílias, contribuindo para a retomada do investimento e do consumo, embora não se espere um crescimento significativo desses componentes da demanda.

Um aspecto crucial para definir o ânimo dos eleitores em 2018 será o mercado de trabalho. O desemprego continua elevado e a criação de empregos ainda é tímida, mas surgiram recentemente alguns dados mais positivos. Se o medo de ser demitido diminuir e houver alguma melhora na geração de empregos, ainda que modesta, um candidato que defenda a austeridade fiscal e a necessidade de reformas terá uma vida menos difícil nas eleições de 2018.

A curva de juros indica justamente as incertezas fiscais e as dúvidas em relação ao pleito presidencial do ano que vem. O analista Antonio Madeira, da MCM Consultores Associados, observa que, entre 2019 e 2022, a taxa média do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) esperada pelo mercado futuro está na casa de 10,7% ao ano. Para 2018, o CDI é consideravelmente mais baixo, ficando na casa de 8%. O CDI reflete as taxas dos empréstimos realizados entre as instituições financeiras.

As taxas mais elevadas de 2019 a 2022 mostram "em boa parte a incerteza com a melhora dos fundamentos fiscais, que poderia contribuir para a queda do juro estrutural", diz Madeira, numa referência à taxa que permite a economia crescer sem gerar pressões inflacionárias. Segundo o analista, as dúvidas quanto à eleição de 2018 decorrem da indefinição sobre a agenda econômica do futuro presidente. "Os investidores querem saber se a agenda de Temer terá continuidade no próximo governo", afirma Madeira. Isso ajuda a explicar o salto nas taxas esperadas para o CDI a partir de 2019 em comparação com a projetada para 2018.

O ponto é que o equilíbrio estrutural das contas públicas continua distante, e só será atingido se a política fiscal for austera por muitos anos. Há dúvidas quanto à sustentabilidade da trajetória fiscal, uma vez que serão necessárias medidas duras para conter o crescimento dos gastos e combater a rigidez das despesas obrigatórias. Além disso, a situação também requer algum aumento de impostos. Sem essas iniciativas, a dívida pública seguirá em sua trajetória explosiva e insustentável.

Anunciada ontem, a revisão das metas para o resultado primário para 2017 e para os anos seguintes mostra as dificuldades no front fiscal. A ampliação dos déficits esperados implica alta mais acentuada das projeções para a dívida bruta nos próximos anos, indicador que já está em 73% do PIB. Uma aprovação da reforma da Previdência neste ano melhoraria as perspectivas fiscais de longo prazo, sendo um contraponto para os maus resultados atuais, além de garantir o cumprimento do teto de gastos por algum tempo. A fragilidade política do governo, no entanto, torna improvável que a mudança do sistema de aposentadorias passe no Congresso ainda no mandato de Temer.

A retomada da atividade ajudará a aliviar um pouco as contas públicas, ao melhorar a arrecadação. A solução definitiva do problema, contudo, exige mudanças estruturais, ou o governo terá de recorrer a medidas pontuais e emergenciais para enfrentar rombos gigantescos, uma estratégia que obviamente não se sustenta. O risco é haver uma piora adicional da percepção de investidores e empresários sobre o quadro fiscal, prejudicando a recuperação que a economia enfim começou a esboçar.

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