Câmara desidrata PEC da cláusula de barreira e do fim das coligações em pleitos proporcionais, ato que, junto a outros na mesma direção, impede avanços na política
Pressionados pelo calendário, os deputados fecharam o relatório da reforma política, em comissão especial, para tentar iniciar o processo de votação em plenário hoje mesmo. Há propostas de emendas constitucionais, que exigem duas votações em cada Casa, e todo este processo não pode passar de 7 de outubro, para que as mudanças valham nas eleições do ano que vem.
Haverá quem enalteça esta reforma. Por equívoco, porque, em muitos aspectos, esta dita reforma é um retrocesso. Como no financiamento de campanha. A Câmara, na verdade, aplica o velho artifício de adulterar projetos até aceitáveis, para que surtam o efeito oposto àquele para o qual foi redigido — ou sejam inócuos.
Este é o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC), aprovada no Senado, que fixa uma cláusula de desempenho de 2% dos votos nacionais, em um número mínimo de estados, para que os partidos tenham representação no Congresso e demais prerrogativas.
De 28 legendas hoje existentes na Câmara e Senado, passariam a ser 13. Não é o ideal, mas poderia ser um começo de saneamento. Já a nova versão das regras eleva o total para 18 partidos.
Adulteração até pior faz-se no fim das coligações nas eleições proporcionais. A medida só entrará em vigor em 2022 e, ainda assim, instituiu-se a “federação de partidos", para que pequenas legendas se unam, a fim de atender à cláusula. Atuarão assim a partir da campanha, e juntas continuarão no Congresso. Na prática, reinstituem as coligações em pleitos proporcionais, sem usar o nome.
Além dos mais que discutíveis distritão e o voto distrital misto, criou-se um novo fundo para o financiamento público de campanha. Funcionou a norma de batizar-se com os nomes de “social”, “democracia” ou “desenvolvimento” fundos e similares que se quer tornar palatáveis.
No caso, ficou “Fundo Especial de Financiamento da Democracia", com R$ 3,6 bilhões, que se somam aos R$ 800 milhões do fundo antigo. E será mais, na recuperação da economia, porque para ele será destinado 0,5% da receita líquida corrente, hoje R$ 3,6 bilhões.
Não existe preocupação com o fato de haver uma crise fiscal. Tampouco em se debater o tamanho da cifra: por exemplo, ela é tudo o que a União gastou no ano passado com saneamento urbano e rural, e ainda sobrariam R$ 400 milhões, informou Gil Castello Branco, da Contas Abertas, em artigo no GLOBO.
No entender do jurista Modesto Carvalhosa, este Fundão é inconstitucional, defendeu também em texto publicado no jornal. Pois ele fere “o princípio fundamental da separação entre os recursos públicos e os privados”. Merece uma arguição ao Supremo.
Fica entendido que foi mesmo um erro o Supremo extinguir a contribuição de empresas a candidatos e partidos, quando o certo seria uma nova legislação neste campo, mais restritiva, com mais transparência.A democracia tem um custo, mas ele não pode cair exclusivamente sobre o contribuinte.
Esta reforma caminha para ser uma grande encenação. Outra peça fundamental nesta engenharia para manter tudo como está são as escaramuças no Legislativo, no Executivo e no Judiciário contra o combate à corrupção.
Nada é por acaso. Uma reforma política de brincadeira, feita apenas para expropriar 0,5% da receita líquida corrente da União e destiná-lo aos mesmos partidos e mesmos políticos, é parte deste enredo de aberrações de grupos organizados que desejam manter privilégios, contra os interesses da sociedade.
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