sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Barganhas políticas sinalizam mais destruição na Amazônia – Editorial | Valor Econômico

Em apenas um ano de mandato o presidente Michel Temer já provocou mais retrocessos na área ambiental do que o descaso de sua antecessora, Dilma Rousseff, em cinco. O decreto presidencial que extingue a Reserva Natural do Cobre e Associados (Renca) é mais um episódio em uma série que, suspeita-se, está longe de acabar. Com nove áreas de conservação ambiental e terras indígenas, o território coberto pela Renca, entre Amapá e Pará, é uma das áreas praticamente indevassadas na Amazônia. De seus 46,5 mil km2, 45,7 mil são cobertos por florestas (O Globo, 30 de agosto).

A enorme oposição ao decreto levou à sua republicação, apenas para assegurar o que outras leis já asseguram: que é proibida a atividade mineradora nas UCs e nas terras indígenas. Na quarta, o juiz Rolando Spanholo, da 21ª Vara Federal de Brasília, suspendeu todo ato administrativo que vise extinguir a reserva - para ele, isso exige projeto de lei. Psol e Rede recorreram ao Supremo Tribunal Federal contra o decreto.

O presidente Michel Temer se aliou às camadas mais retrógradas do Congresso em troca de apoio político por sua permanência, ameaçada pelas investigações da Lava-Jato. O preço da aliança tem sido extremamente caro ao país. Em maio, abrindo espaço para legalização de terras griladas na Floresta Nacional do Jamanxim, a MP 756 rebaixou a proteção de 305 mil hectares, permitindo atividades econômicas e regularização de posses. A reação à medida foi forte, o presidente vetou a MP e enviou projeto de lei com a mesma finalidade - ampliando a área que passará a ser menos protegida para 354 mil hectares. "A decisão foi tomada para garantir a preservação de parte de área da reserva sem punir os brasileiros que vivem e têm atividades produtivas no Jamanxim", disse nota do Planalto em 27 de julho.

No caso da Renca, além de garimpeiros ilegais (poucos), as empresas de mineração são as principais interessadas. O Ministério do Meio Ambiente foi consultado formalmente a respeito e foi contrário ao decreto. O ministro José Sarney Filho disse ao Valor que foi "pego de surpresa". "O governo falhou e se equivocou" na questão, afirmou.

Desde o ano passado funcionários do Ministério de Minas e Energia afirmaram que o fim da Renca estava sendo cogitado. Em 28 de novembro de 2016, Vicente Lôbo, ex-diretor da Bunge e da Vale Fertilizantes e secretário de mineração e geologia do MME, disse ao Valor que era necessário "destravar o debate" sobre a Renca. Eduardo Ledsham, presidente do Serviço Geológico Brasileiro, contou que a extinção constava da agenda ministerial (Valor, 16 de fevereiro).

Em 30 de março, foi expedida a portaria 128, publicada no Diário Oficial de 7 de abril, que dispunha a necessidade de "desonerar as áreas objetos de requerimentos apresentados e pendentes de decisão ou títulos eventualmente outorgados sem amparo na legislação pertinente" para que um decreto presidencial pudesse determinar a extinção da Renca.

Quando da edição da portaria, Lôbo mostrou as expectativas oficiais com o fim da reserva: gerar empregos numa região inóspita, melhorar o IDH de cidades próximas, estimular a economia do Pará e do Amapá, atrair investimentos e ainda deter garimpos ilegais de ouro que há anos funcionam na reserva com suas diversas pistas de pouso clandestinas - Eldorado seria finalmente descoberto. (Valor, 10 de abril).

O atual governo não parece ter a menor noção do que está em jogo na Amazônia - na melhor hipótese. Na pior, sabe e se lixa para isso. O cumprimento do Acordo de Paris, para o qual o ativismo brasileiro deu grande contribuição, passou a depender da barganha política cotidiana, onde o provincianismo dá as mãos a interesses econômicos claros e poderosos, em mútuo proveito e em detrimento do ambiente.

Em 2016, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 30%. Entre agosto de 2015 e julho de 2016, 7.989 km2 de florestas vieram abaixo, a maior extensão desde 2008. Quando a destruição foi contida, entre 2009 e 2015, a devastação média de 6,08 mil km2, área equivalente à de 4 cidades de São Paulo por ano - é muito, mas já se tornou aceitável.

Os atos recentes do governo fazem temer pelo pior na votação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, onde o peso da bancada ruralista se fará sentir com toda força. Há o risco real de o retrocesso finalmente ganhar contornos de um pesadelo legal.

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