- O Globo
Assim como o presidente Michel Temer, seguindo o conselho do publicitário Nizan Guanaes, está aproveitando sua vasta impopularidade para tentar aprovar reformas como a da Previdência, também veremos na próxima campanha presidencial candidatos teoricamente sem chances de vitória, como o economista João Amoêdo, do Partido Novo, fazendo discursos contramajoritários, no sentido de enfrentar a opinião pública aparelhada.
Há uma vasta literatura na ciência política que mostra que candidatos não defendem reformas que representem um prejuízo, pelo menos aparente, aos potenciais eleitores, mesmo que saibam, como hoje, que uma reforma como a da Previdência é imprescindível para a reorganização do Estado brasileiro. O próprio presidente Temer, ou seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, são exemplos contrários a essa tese. Temer aposta no efeito benéfico das reformas na economia para tentar se reeleger, na esperança de que a percepção do eleitorado em relação a seu governo se altere pelos efeitos da melhoria econômica no cotidiano do cidadão comum.
Se não der para reverter a impopularidade e a má imagem pessoal — 86% o consideram corrupto, segundo a mais recente pesquisa do Ibope —, Meirelles se coloca como alternativa. O provável candidato do PSDB à Presidência da República, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, está até o momento, disposto a arrostar a tradição de que candidato que defende teses impopulares não se elege, se colocando a favor de um regime geral de Previdência, sem diferenças para os servidores públicos.
Não se sabe se manterá essa disposição durante a campanha, mas tem pelo menos um exemplo recente que contrariou a regra com bons resultados: o presidente francês Emmanuel Macron, que se elegeu defendendo uma reforma da Previdência rigorosa, que está provocando grandes protestos. A procura de um Macron brasileiro está sendo o principal mote dos partidos e eleitores que buscam uma alternativa ao centro e às candidaturas de Lula e Bolsonaro, polos opostos que se atraem e polarizam a disputa eleitoral até o momento.
O apresentador de TV Luciano Huck já foi o Macron da vez, mas apenas na aparência. Macron não surgiu do nada, vinha do Partido Socialista, depois de larga experiência de atividade pública, inclusive como ministro do governo socialista de François Hollande, e criou um novo partido que preencheu a demanda do eleitorado.
Entre nós, há poucos exemplos de partidos criados recentemente que possam ter peso eleitoral a ponto de quebrar a disputa entre PT e PSDB que domina a política brasileira há mais de 20 anos, sempre tendo o PMDB como coadjuvante. Chegado ao poder por um atalho constitucional legítimo, o PMDB ensaia, pela primeira vez desde 1994, lançar candidato próprio, mas ainda tateia para ver se há espaços a ocupar.
Aparentemente, não há. E se a economia não melhorar a ponto de mexer nos dados eleitorais, o mais provável é que o PMDB volte a ser um coadjuvante, desta vez de menor porte, evitável até, embora mantenha uma máquina partidária formidável. O que não se sabe é se essa máquina, corroída pelas denúncias de corrupção, assim como as do PSDB e do PT, ainda terá força suficiente para garantir a seus caciques fôlego para enfrentar a desilusão dos cidadãos com a classe política.
A possibilidade de as urnas registrarem esse desassossego da cidadania com uma avalanche de não votos, sejam brancos, nulos ou abstenções, é cada vez maior. O Partido Novo, cujo nome já ajuda a identificá-lo, além de práticas heterodoxas, como não aceitar verba do Fundo Partidário e fazer uma seleção dos possíveis candidatos através de rigoroso sistema de seleção, vai tentar reverter essa raiva do eleitor em votos “no novo”, o que pode ser um bom caminho para os desesperançados. Marina Silva também surge como alternativa mais uma vez, à frente de um partido recém-criado, a Rede Sustentabilidade, e com a força de ter recebido cerca de 20 milhões de votos nas duas eleições presidenciais de que participou.
A reforma da Previdência é, portanto, uma encruzilhada inesperada nessa campanha eleitoral: a dificuldade de aprová-la, por receio da reação do eleitor, pode se transformar em ativo para políticos que apostem nos seus efeitos positivos na economia.
O mote de fim dos privilégios, afinal, começa a mostrar a realidade para a maioria que não faz parte dessa distribuição injusta de renda — a média salarial dos benefícios pagos a 30 milhões de trabalhadores é de R$ 1.191; no serviço público, dos servidores do Executivo é de R$ 8 mil; no Judiciário, de R$ 16 mil e no Legislativo, de R$ 24,8 mil. O candidato que enfrentar essa questão estará falando em defesa da maioria dos aposentados. Mas terá de enfrentar as corporações, cuja força foi demonstrada ainda agora com a decisão de uma juíza de mandar suspender a propaganda governamental que falava justamente desses privilégios.
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