quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Roberto Dias: Memória inflacionária

- Folha de S. Paulo

Tão dominante em tantos aspectos do dia a dia, a hiperinflação deixou reminiscências nos que não mais somos jovens.

No exemplo pessoal, uma cena tórrida: fila, muita fila, mas muita fila mesmo, calçada afora dos bancos no verão mato-grossense de 1990, sol na cabeça numa época de temperaturas nada aprazíveis.

À época, as agruras da altíssima inflação acrescentavam ao ofício de office-boy dramas como o daquele Plano Collor 1: agências reabertas depois de alguns dias de fechamento para um pacote do governo, o caos nos caixas após explicações incompreensíveis da ministra da Economia e do presidente do Banco Central.

Confusão inútil; a híper sobreviveu, acrescida de recessão. Como se sabe, o dragão só seria domado com o Plano Real, escoltado em 1999 pelo sistema de metas de inflação.

Sistema que, vale lembrar, aquele presidente do BC de Collor (Ibrahim Eris) dizia cheirar a fracasso e que o futuro ministro Guido Mantega considerava "uma estratégia tosca e inadequada para ancorar a política econômica.

Desfeitas as bagunças que os dois deixaram quando no poder, a inflação agora completa o ano em 2,95% —abaixo pela primeira vez do piso da meta—, algo que dá algum conforto civilizatório aos que se lembram da híper. Quem tiver dúvida pode perguntar aos venezuelanos.

Conforto maior haverá aqui quando outros índices, os que medem a remuneração do dinheiro, estiverem também eles em nível civilizado.

A Selic mais baixa em duas décadas não conta toda a história. Quem precisa de empréstimo ainda sofre calafrios estilo anos 90 ao pensar nos bancos, sempre tão confortáveis no mercado brasileiro. Do outro lado, quem tem dinheiro ainda pode se dar ao luxo de preferir o quentinho dos fundos de investimento a empreender, inovar, tomar risco —aquelas práticas que criam coisas bem mais inesquecíveis do que fila de banco.

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