- Valor Econômico
Marielle e Supremo desmoralizado movem assédio
No dia seguinte à morte da vereadora Marielle Franco, o vice-governador de São Paulo, quase titular do Palácio dos Bandeirantes, e Joaquim Barbosa, encontraram-se em São Paulo. Na semana anterior, o ex-ministro do Supremo havia encontrado, no Rio, o governador de Pernambuco. Márcio França e Paulo Câmara são as duas principais lideranças do PSB. Esta semana, o ex-ministro recebeu um telefonema do seu ex-colega de Corte Carlos Ayres Britto, costumeiro emissário de Marina Silva, do Rede, com quem não conversava desde setembro. Marcaram um encontro para a próxima semana em Brasília.
O assédio aumentou com a aproximação do 7 de abril, prazo para a filiação daqueles que pretendem disputar em outubro. Mas Joaquim Barbosa tem dito que não pretende usar todo o prazo de que dispõe. Até o fim da quaresma decidirá se pretende assinar, pela primeira vez, uma ficha partidária.
O ex-ministro, que até seu nome começar a ser incluído em pesquisas de opinião, fazia manifestações episódicas em rede social, não rompeu o silêncio nem mesmo com a morte de Marielle. Teme o cheiro de oportunismo. Mas a comoção nacional pela morte da vereadora negra atiçou os pretendentes.
A sessão de ontem no Supremo acrescentou outro predicado ao assédio. A presidente Cármen Lúcia virou a mesa ao pautar para hoje a votação do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o barraco que se seguiu entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes é uma demonstração de que o Judiciário já não desfruta da condição de instituição redentora da cidadania. Barroso talvez tenha razão ao dizer que seu colega desmoraliza a Corte. Mas a acusação de que foi vítima em seguida, e que vinha sendo plantada nas redações nas últimas semanas, não ajudará a recompor o lugar que o Judiciário já ocupou no imaginário nacional.
Estrategistas que apostam na sua candidatura veem na entrada de Joaquim Barbosa na disputa eleitoral uma tentativa de reinserir o mundo político neste imaginário. Buscar o justo não é prerrogativa da toga, especialmente de um Judiciário que custa a reagir contra a desmoralização. A virada de mesa da ministra Cármen Lúcia não a redime da excepcionalidade com a qual tratou os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG). Ao contrário, pode até ampliá-la.
As dificuldades de se viabilizar a candidatura Joaquim Barbosa, no entanto, não estão no campo do imaginário. As pesquisas o colocam como o candidato mais apto a captar o voto daquele eleitor que, desenganado pelo provável impedimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, percorre 180 graus para se colocar ao lado do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ).
O maior empecilho a Joaquim Barbosa são os interesses regionais de potenciais correligionários. O encontro com Márcio França se deu num clima ainda marcado pela dúvida, no PSB de São Paulo, de que a viabilidade eleitoral de Geraldo Alckmin poderia levá-lo a recuar da disputa presidencial e permanecer no Bandeirantes. Como candidato à reeleição, a França não interessa ver seu partido com palanque próprio à Presidência.
Tirante a indefinição do PT, pelo julgamento de sua principal liderança, o lançamento de Guilherme Boulos (Psol), Manuela d'Ávila (PCdoB), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) deixa o PSB na condição de único partido da centro-esquerda sem candidato. A situação incomoda parlamentares do partido mas deixa França à vontade para compor com as legendas de sua aliança e até com aquelas que não a integrarão, como o PSDB de Alckmin.
O maior empecilho do governador de Pernambuco em fechar com Barbosa tem nome e sobrenome. Chama-se Marília Arraes, tem 33 anos e é vereadora como Marielle. Desde a morte do primo, tem percorrido sertão e agreste a reivindicar o legado de Miguel Arraes. Em 2014 quis ser candidata à Câmara dos Deputados mas enfrentou a oposição de Eduardo Campos. Se eleita, Marília poderia vir a ocupar o espaço que o primo reservava a seu filho, João, hoje chefe de gabinete de Câmara.
O capítulo pernambucano da novela passa por divisões familiares que levaram até mesmo a ministra do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, a se afastar da viúva de seu filho, Renata, e do governador. Marília rompeu com o PSB, denunciou a aliança do partido com Aécio como traição à memória do avô, foi para o PT e hoje desponta como a mais forte candidata do partido ao governo do Estado com pesquisas que a colocam à frente, até mesmo, de Câmara.
Se o PSB der palanque para uma candidatura presidencial de Joaquim Barbosa, estreitam-se as chances de o governador conseguir um acordo com o PT que exclua Marília. Conta com o apoio de caciques petistas locais, como o senador Humberto Costa e o ex-prefeito do Recife João Paulo, contrariados com a ascensão da vereadora como o nome de preferência das bases petistas. Mas o governador não tem qualquer garantia de Lula de que Marília, se vencer a convenção do PT, não será a candidata do partido. Para piorar, o deputado Jarbas Vasconcelos, aliado de Câmara, perdeu o controle do MDB para o senador Fernando Bezerra, o que aumenta a dependência que Paulo Câmara tem da aliança com o PT.
França e Câmara são os dois principais obstáculos, mas não são os únicos. Os parlamentares partidários de Joaquim Barbosa querem que o ex-ministro assine a filiação ainda que não haja unidade no partido em torno de sua candidatura. Uma vez filiado, teria até julho para se consolidar. Argumentam que nem Eduardo Campos, líder inconteste do PSB, teve adesão entusiasmada de lideranças regionais do partido, como os governadores Rodrigo Rollemberg (DF) e Ricardo Coutinho (PB) ou o senador João Capiberibe (AP).
A falta de unidade do PSB já foi um empecilho maior para a filiação do ex-ministro, mas ele continua a resistir a cortejar o partido. A quem lhe diz que seu nome atrairia doações de pessoas físicas responde duvidar que a disposição resista à crise econômica. E não contem com ele para uma campanha de caixa dois. Não arredou o pé. Ainda age como quem está sendo empurrado para esta candidatura. Não vai brigar por ela, nem entrar em bola dividida.
Ao partido que teme a fama do mensalão, contrapõe-se a imagem do primeiro dedo em riste que Gilmar Mendes encontrou no plenário. Não custaria a firmar a imagem de um presidente da República que não teme o Judiciário, nem a Corte que, desde sua saída, só viu crescer o barraco.
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