quinta-feira, 22 de março de 2018

Vinicius Torres Freire: Juros altos no país do barracão supremo

- Folha de S. Paulo

BC muda de ideia e volta a baixar juro, mas inflação baixa demais custou caro para a dívida pública

Barraco no Supremo Tribunal de vexames, apagão, terrorismo de bandidos, candidatos na vitrine pré-eleitoral, deputados que fazem troca-troca na feira periódica de filiação partidária. Tratar de taxa de juros do Banco Central parece firula.

Baixar a taxa básica de juros de 6,75% para 6,5%? E daí?

Primeiro, o Banco Central ao menos não fica de pudicícias quando trata de rever suas perspectivas sobre juros e inflação. Depois de outra vez ameaçar dar cabo da campanha de baixa da Selic, ainda pediu mais uma saideira, como nesta quarta (21), pois os dados mudaram, a inflação é menor.

Segundo, no entanto, a inflação de 2018 ainda vai ficar baixa além da conta, em 3,6%, prevê a turma do mercado. A meta deste ano é 4,5%. Sim, é difícil acertar o centro da meta. Mas haveria chacrinha e muxoxos se a inflação prevista para o ano fosse de 5,4%. Além do mais, recorde-se que o IPCA ficou abaixo piso da meta, abaixo de 3%, em 2017.

É implausível que o crescimento deste e do ano passado terá sido influenciado de modo relevante por um ponto a menos na Selic. Uma redução ainda maior da taxa exigiria argumentos bem calculados ou descabelados. Mas Selic alta custa juros de uma dívida pública que já está nas alturas. Logo, ainda temos pelo menos um problema grave, enorme.

Desde o começo do regime de metas de inflação, faz quase 20 anos, os povos do mercado subestimaram quase sistematicamente a inflação. Desde meados da grande recessão, superestimam o IPCA. Há seis meses, chutavam a inflação de 2018 em 4,1%. Há um ano, em 4,5%. Não é muito tempo, ao contrário, são os "horizontes relevantes da política monetária" mais curtos.

E daí? Esses chutes mais ou menos informados na praça do mercado formam consensos ou manadas que influenciam a política monetária.

Sim, houve um choque positivo brutal na formação dos preços, a enorme safra de 2016-2017, imprevisível no tamanho e nos efeitos secundários. Mas vivemos uma recessão também brutal, que assassinou o crescimento com requintes de crueldade no desemprego de trabalho e capital.

Por que um país assim destroçado ainda teria inflação de 4,5%, passados os choques de correção de preços tabelados e, como se diz enfaticamente por aí, tendo o Banco Central "ancorado as expectativas" meses depois de assumir, ainda em 2016? Em um país com teto de gastos e reformas, como a trabalhista?

Pode ser que tudo vá à breca, que o teto caia, que a Previdência vá pelos ares, que a finança mundial nos reduza a pó de traque. Mas, nesse caso, a política monetária vai para um regime de guerra, de choque. A conversa é outra.

Talvez seja tarde para remendar o erro de atirar longe da meta. Em tese, nos chutes ditos informados do mercado, a inflação volta ao alvo em 2019. Mas não é improvável que apareçam surpresas nesta economia ainda hipotérmica e desconhecida, depois da grande recessão.

Além de desemprego, temos precarização extensa e crescente do trabalho. É um ambiente ainda menos propício a aumentos de salário, contidos além do mais pela inércia desinflacionaria, pela indexação por baixo de salários (e também de aluguéis e de alguns serviços).

Mas fica a questão: quem paga a conta dos juros demasiados de 2017, dezenas de bilhões?

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