- Valor Econômico
TCU manda retirar obrigação da contabilidade
Os leitores mais velhos vão lembrar, certamente com irritação, do empréstimo compulsório que tiveram que pagar na compra de gasolina e álcool e de veículos automotores no período de julho de 1986 a outubro de 1988. O dinheiro recolhido pelo governo era para ser devolvido no último dia do terceiro ano posterior ao seu recolhimento. Não foi. Agora, ele desapareceu até mesmo da contabilidade da União.
Em outubro do ano passado, ocorreu o último ato dessa encenação. Cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o Tesouro Nacional retirou do seu balanço o passivo representado pela obrigação da União ter que devolver os empréstimos compulsórios aos contribuintes. No momento da exclusão do passivo, a dívida da União estava em R$ 42,2 bilhões, sendo R$ 33,9 bilhões referentes ao consumo de combustíveis e R$ 8,2 bilhões à aquisição de veículos.
Em seu parecer sobre as contas do governo em 2016, o TCU considerou que havia uma "superavaliação do passivo" da União, "decorrente de registro de depósitos compulsórios sem expectativa de realização". Por isso, determinou que a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) adotassem providências para regularizar a situação.
Antes da decisão, os auditores do TCU ouviram a STN e o Banco Central sobre a questão. Os recursos recolhidos com os empréstimos compulsórios foram depositados inicialmente no BC. Depois, foram transferidos ao Tesouro. Durante a transferência, a STN disse aos auditores do TCU que não houve qualquer repasse de informações individualizadas de credores, "razão pela qual informou não possuir tal controle, sendo que os saldos são controlados no Siafi pelo seu valor total". Esta citação entre aspas e as próximas são transcrições de trechos do parecer do TCU.
Por sua vez, o BC informou que "era mero depositário dos recursos originários do empréstimo compulsório, não havendo controle individualizado dos saldos", e era também responsável pela sua remuneração. O BC esclareceu que a movimentação desses recursos ocorria exclusivamente mediante determinação do Tesouro, para atender às necessidades financeiras decorrente do resgate do empréstimo e que o saldo do depósito foi integralmente transferido para o Tesouro, em 30/12/1998.
A STN informou também aos auditores que realizou consulta junto à PGFN para que esta se manifestasse sobre a estimativa de quantidade e valores de demandas judiciais relativas aos empréstimos compulsórios, bem como sobre o risco de perdas para a União decorrentes desses processos. A PGFN informou "não ser possível estimar quantidade e valores das referidas demandas com um mínimo de segurança". Quanto ao risco de perdas, "classificou seu nível como provável".
A portaria AGU 40/2015, dispõe que "para fins da classificação de risco, serão consideradas as ações judiciais em tramitação nos tribunais superiores ou já transitadas em julgado, cujo eventual impacto financeiro seja estimado em valor igual ou superior a um bilhão de reais". Na ausência de estimativa quanto aos valores das demandas judiciais referentes ao decreto-lei 2.288/1986, que criou os empréstimos compulsórios sobre combustíveis e veículos, os auditores do TCU entenderam que "fica prejudicada a classificação de risco como provável".
Para os auditores do TCU, a principal causa para a situação que descreveram "está relacionada com a ausência de definição normativa sobre como os recursos oriundos dos depósitos compulsórios serão ressarcidos". Por isso, argumentaram, "os valores registrados a título de depósitos compulsórios de veículos e combustível no Siafi, no total de R$ 42,2 bilhões, não representam passivo para a União, já que não há expectativa de saída de recursos para a sua realização e sequer há controle que justifique o seu saldo". O Siafi é o sistema eletrônico que registra todas as despesas e receitas da União.
O Valor questionou a STN sobre o assunto e recebeu as mesmas respostas que foram apresentadas ao TCU. O Tesouro observou ainda que o Tribunal concluiu que o montante de R$ 42,2 bilhões não estava devidamente constituído já que "não há mais atualmente previsão de saída de recursos". Desse modo, explicou a STN, "tal montante estaria superavaliando o passivo da União".
Várias tentativas foram feitas para acabar com a "ausência de definição normativa" de como devolver os empréstimos compulsórios. Em abril de 1993, o ex-presidente Itamar Franco chegou a enviar um projeto de lei ao Congresso Nacional para que a devolução dos empréstimos sobre a aquisição de veículo fosse feita, em dinheiro, até março de 1994 e até março de 1995, no caso do compulsório sobre combustíveis.
Depois que o projeto foi aprovado, Itamar o vetou integralmente, por recomendação do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Em 30 de dezembro de 1993, Itamar enviou um novo projeto, com exposição de motivos assinada por FHC, determinando que os recursos seriam devolvidos até 31 de dezembro de 2000, em 24 lotes mensais e consecutivos. A proposta nunca foi votada. Em 17 de dezembro de 2002, FHC solicitou, a retirada do projeto. A devolução, no entanto, continua prevista no decreto-lei 2.288, que criou os empréstimos.
Muita gente ingressou com ação na Justiça pedindo ressarcimento dos empréstimos compulsórios e receberam o dinheiro de volta. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, informou ao Valor que ajuizou, ao total, 219 ações em benefício de 1.819 associados à instituição. Até dezembro de 2017, o valor total restituído aos associados do Idec que ingressaram com ações foi de R$ 8,9 milhões.
O Valor não conseguiu informações sobre quantas ações ainda tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A única coisa concreta é que não é mais possível ingressar na Justiça pedindo o ressarcimento. O direito prescreveu há muito tempo - ainda em 1997.
O contribuinte tem o direito de saber, pelo menos, em que o dinheiro dos empréstimos compulsórios foi gasto.
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