- O Estado de S.Paulo
Temer dá às Forças Armadas protagonismo inédito desde a redemocratização
A crise prolongada e disseminada por vários campos da vida brasileira levou a uma realidade insuspeitada há alguns anos: as Forças Armadas estão em alta, e vivem seu momento de maior protagonismo desde a redemocratização.
Insuspeitada não porque seja exatamente nova a credibilidade de que os militares gozam perante a sociedade. Esta foi sendo recuperada paulatinamente depois do fim da ditadura, e já era bastante significativa, principalmente nas classes de mais baixa renda, antes da atual crise.
A novidade é esse prestígio ter se disseminado, atingido os mais ricos e se refletido em ganho de espaço político no último período.
Fernando Henrique Cardoso disse na última terça-feira, durante o Fórum Estadão – A Reconstrução do Brasil que governos fracos normalmente recorrem às Forças Armadas como forma de se beneficiar de sua credibilidade.
Michel Temer, que tem aumentado o papel dos militares em seu governo desde que escolheu a Segurança Pública como tema deste final de mandato, ironizou a declaração, mas reconheceu que este peso de fato é maior hoje.
Temer atribuiu ao “preconceito” a resistência de setores da sociedade a uma presença maior das Forças Armadas na segurança interna e na política. A palavra foi mal escolhida. Preconceito é uma conclusão a partir de algo que não se conhece. E a ditadura ainda recente que o Brasil viveu durante 20 anos foi bem concreta – e nada “branda”, como se tentou contemporizar tempos depois.
A criação do Ministério da Defesa, substituindo as quatro pastas militares de antes, e a praxe – não regra nem obrigação legal – de que seu titular fosse um civil foram uma forma de mitigar um pouco o peso político dos fardados, que tiveram nos governos que se sucederam desde a volta das eleições papel discreto nas discussões dos grandes temas.
Basta dizer que houve dois impeachment no período sem que se ouvisse nenhuma inquietação na caserna. E isso a despeito de no último deles, o de Dilma Rousseff, terem surgido entre os movimentos que defendiam a saída da presidente grupelhos de corte radical que clamavam por “intervenção militar já”.
Portanto, o coturno e o verde oliva estão de novo na moda. Foi uma decisão política de Temer, e FHC acerta quando vê uma tentativa do emedebista de marchar ao lado dos militares e se beneficiar de sua aceitação popular.
O comando da intervenção federal no Rio foi entregue a um general, o porta-voz das ações é militar, a estratégia de recuperação das favelas e contenção do crime organizado é militarizada, o Ministério da Defesa está pela primeira vez sob comando de um integrante do Exército, e o ministro da Segurança é oriundo da Defesa e se cacifou graças ao bom trânsito que tem nas três Forças.
Nesse estado de coisas, generais têm sido mais loquazes que nos últimos anos. E isso traz à luz figuras como o general Antonio Mourão, que revela saudade do período da ditadura e enaltece torturadores como Brilhante Ulstra. Mourão representa uma minoria na corporação, mas o fato é que a crise de credibilidade da política, que estressa as instituições e testa a democracia, faz com que essas minorias deixem de lado a cautela e passem a se expressar sem amarras.
Não há nada de errado em que as Forças Armadas sejam chamadas a participar mais da vida nacional. É responsabilidade de todos, no entanto, principalmente do governo que assegura esse protagonismo maior, garantir que ele seja exercido com comedimento, dentro das balizas constitucionais e em consonância com as demais instituições civis e democráticas. E que não sirva de combustível e incentivo para que aflorem discursos radicais que evocam um passado recente que nem a pior das crises permite sentir saudades.
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