domingo, 4 de março de 2018

José Roberto Mendonça de Barros: Afinal, juro baixo para o cidadão?

- O Estado de S.Paulo

Estamos diante de um movimento de ruptura que não deve ser subestimado

A inflação continua surpreendendo positivamente. Projetamos agora 3,6% para o IPCA deste ano e 6,5% para a taxa Selic, do Banco Central. Isso resulta da ausência de choques de oferta no horizonte (energia, preços agrícolas e petróleo), bem como da constatação de que os mecanismos de realimentação da inflação estão muito enfraquecidos. A inércia da inflação também pode ser positiva. Corremos mesmo o risco de três anos consecutivos com inflação inferior a 4%.

Isso é algo que jamais aconteceu na história moderna do Brasil, o que não é pouco. Especialmente porque será um resultado obtido com preços livres, sem congelamentos, controles de câmbio nem outras intervenções.

O mais relevante dessa situação é a oportunidade de baixarmos muito as taxas de juro, desde que um reformista ganhe a eleição presidencial.

Com a realização de reformas fiscais no início do próximo governo e com a herança da inflação baixa será possível reduzir a taxa de equilíbrio, permitindo que o crédito cresça de forma significativa.

Entretanto, temos a oportunidade de começar a ver reduções importantes nos “spreads” bancários e nas taxas de empréstimo ainda neste ano, devido a duas razões adicionais. Primeira: o Banco Central tem uma importante agenda de revisão regulatória, que passa por diminuição de compulsórios, regulação da operação de cartões de crédito e o estímulo à ampliação da concorrência no mercado.

Segunda razão: assistimos a um crescimento vertiginoso das empresas financeiras de base tecnológica, o que vai pressionar bastante o “spread” bancário no crédito de pessoas físicas, elevando a competição com os grandes bancos. Um levantamento de novembro do ano passado, feito pelo FintechLab, encontrou 332 instituições, das quais 58 se dedicavam a créditos e empréstimos, e esse número continua a crescer.

Consideremos, além disso, os seguintes pontos:

– As grandes plataformas digitais, em várias partes do mundo, começaram a realizar empréstimos a pessoas e empresas. Um exemplo é a Amazon no mercado americano. No Brasil, o site Mercado Livre começa a financiar vendedores.

– As cooperativas de crédito vêm crescendo enormemente. Se as consolidarmos como se fossem uma única instituição, já seriam o sétimo banco no País. Quando a regulamentação de empréstimos de pessoa para pessoa (“peer-to-peer”) vier a público, essas instituições poderão dar um salto enorme, dada a sua estrutura associativa. Nesse caso, as taxas de aplicação serão muito mais baixas do que as do mercado atual, sem detrimento de uma boa remuneração para o poupador.

– Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou uma resolução que facilita a transferência automática da conta salário para contas digitais de serviços financeiros que não são oferecidos por instituições bancárias, permitindo o pagamento de contas e de outras operações sem custos ou com tarifas muito baixas.

– Um exemplo recente dessa movimentação está no acordo realizado entre a BV Financeira e o GuiaBolso, uma bem-sucedida plataforma que nasceu para auxiliar as pessoas a organizar a vida financeira, mas que passou a incluir, mais recentemente, assessoramento de investimentos. A grande vantagem é que os milhões de usuários do GuiaBolso têm suas informações corretas (afinal, são da própria pessoa) e permitem algoritmos de avaliação de risco muito mais precisos.

– A permissão de pessoas e empresas para que seus dados possam ser partilhados e utilizados é uma enorme novidade, que certamente trará grande repercussão no mercado de crédito.

Alguém poderá dizer que esses movimentos ainda são muito pequenos para afetar o mercado de empréstimos bancários. Entretanto, não tenho dúvida de que estamos diante de um movimento de ruptura que não deve ser subestimado. A velocidade do avanço tem sido notável.
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* É economista e sócio da MB Associados.

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