- O Estado de S.Paulo
O Brasil se consolida como o país em que a burocracia é um fim em si mesmo
Triste o País que precisa de uma tragédia para se dar conta dos seus absurdos. O desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida no centro de São Paulo, no último dia 1.º de maio, expôs mais do que a exploração de moradores em situação de rua por movimentos ditos sociais e a apropriação de espaços públicos por traficantes e outros criminosos. A tragédia também chama a atenção para o descaso com que tratamos um enorme e valioso patrimônio público.
Só da União, são mais de 97 prédios comerciais desocupados, em um total superior a 18 mil unidades imobiliárias sem uso Brasil afora, geridas por uma estrutura pública que acresce aos custos de manutenção dos imóveis os custos do seu próprio custeio. Por outro lado, a União gasta mais de R$ 1,6 bilhão por ano em aluguéis, alguns deles em áreas nobres das grandes cidades. A frustração aumenta se somarmos, aos imóveis federais, também os estaduais e municipais. Nesse caso, não há sequer uma estimativa grosseira do número total de unidades hoje de propriedade pública, dada a ausência de um inventário criterioso e confiável em quase todos os entes subnacionais.
Esses imóveis constituem um patrimônio ignorado em sua dimensão e que poderia ser explorado por meio de uma boa gestão imobiliária num Brasil tão carente de bons projetos, em particular os urbanos. Quantos órgãos públicos, que hoje ocupam imóveis em regiões valorizadas, poderiam ser deslocados para locais mais baratos, racionalizando custos e permitindo um uso mais rentável desses ativos? Quantos outros estão abandonados e poderiam ser comercializados e auxiliar na recuperação de regiões degradadas via projetos inovadores de ocupação? Isso sem falar no impacto social que programas habitacionais, desenhados em coordenação com a gestão de imóveis públicos teriam sobre um dos grandes problemas brasileiros, que é o déficit habitacional na baixa renda.
Esse patrimônio distribuído Brasil afora envelhece, se deprecia e se desvaloriza, mostrando mais uma face do nosso já conhecido descaso com os recursos públicos. As poucas iniciativas de gerir parte desse patrimônio se perdem na burocracia estatal, nos controles disfuncionais, no emaranhado jurídico ou em ações ideológicas que, sob o argumento de proteção ao patrimônio público, causam ainda mais prejuízo à sociedade. À exceção de iniciativas recentes da Prefeitura e do Estado de São Paulo, de criação de fundos imobiliários para gestão desse patrimônio bilionário, quase nada se faz na direção de práticas modernas de administração, permuta e uso eficiente de tantos ativos.
Precisamos estudar, aprender e adaptar casos como os da China, onde projetos imobiliários são desenhados em parceria com a iniciativa privada; dos Estados Unidos, que fomentam investimentos em áreas públicas por meio de leilões que privilegiam o projeto arquitetônico e a melhor solução urbanística; ou mesmo de cidades como Sydney, Medellín, Paris e tantas outras em que a questão urbana é tratada como política pública vinculada à alocação eficiente de recursos, mas também aos problemas habitacionais e ao bem-estar da população.
O Brasil, ao contrário, se consolida como o país em que a burocracia é um fim em si mesmo, relegando a melhor solução para a sociedade a um plano distante, que perde para a lentidão, para o excesso de normas e restrições e para a dificuldade de superarmos regras ultrapassadas que certamente não privilegiam o interesse público. Isso precisa mudar, pois não podemos mais conviver com o desperdício do patrimônio público em um País que padece com um déficit fiscal insustentável e que se arrasta sem capacidade de investimento.
Um País que ostenta um déficit habitacional de 6 milhões de moradias e com uma população em situação de rua crescente não pode conviver com imóveis públicos abandonados e recursos públicos mal alocados.
Dorme-se hoje sobre um patrimônio imobiliário que pode, ao invés de ser palco de uma tragédia, ser usado como ativo para transformar nossos centros urbanos ociosos e abandonados em espaços públicos desenvolvidos, agradáveis e voltados ao bem comum.
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