- O Globo
Nos cenários até bem pouco tempo atrás não constava o petróleo a US$ 75 como o Brent estava sendo cotado ontem. Petróleo é sempre surpreendente em suas altas e quedas. É uma soma de fatores que o faz oscilar. Desta vez tem o acordo com o Irã, a piora da Venezuela, os cortes de produção da Arábia Saudita e, sobretudo, o fator Trump. O preço vai continuar oscilando, com todos os seus efeitos sobre a economia.
O maior impacto da alta do petróleo é na inflação, mas o Brasil está na confortável situação de ter a taxa abaixo do piso da meta. Só que agora há vários pontos de pressão: a tarifa de energia está em alta e pode se elevar um pouco mais com a subida do petróleo, os combustíveis aumentaram ontem porque eles acompanham as cotações internacionais, e o dólar também está subindo. Na semana que vem o Banco Central vai se reunir para discutir se haverá mais um corte na taxa Selic, mas muito provavelmente será a última redução, porque agora há pressões inflacionárias.
O Brasil prepara dois leilões do pré-sal, um para junho e outro para setembro. É possível que a cotação esteja alta quando eles acontecerem. Mas isso não necessariamente vai inflar as ofertas que as empresas farão, conta Antonio Guimarães, secretário-executivo do Instituto Brasileiro do Petróleo. Embora o preço mais elevado aumente a geração de caixa das empresas que disputarão o leilão, a decisão de um investimento de longo prazo passa por outras variáveis. Na hora de dar o lance, as petroleiras focam no break even, o preço de equilíbrio para viabilizar o campo de petróleo, o quanto custa investir e operar e ainda pagar impostos. No pré-sal brasileiro, esse indicador está em torno de US$ 35 o barril. Nesses níveis, o pré-sal despertou interesse das maiores empresas do mundo nos últimos leilões.
O estrategista-chefe da XP, Celson Plácido, admite que o petróleo em alta é uma surpresa porque muitos especialistas achavam que a recuperação dos preços, que mergulhou para US$ 28 em 2016, não ocorreria tão rapidamente. Ele diz que parte das surpresas vieram da economia real. Nos Estados Unidos, o governo Barack Obama deixou o país crescendo e o desemprego caindo. Isso se acelerou e o desemprego chegou a 3,9% em abril. Os estoques de combustíveis nos Estados Unidos caem a cada semana e estão nos níveis mais baixos dos últimos cinco anos. O consumo na Europa no último inverno foi intenso. Na Ásia, a venda de automóveis está em ritmo acelerado. Junte-se a este aumento de demanda o fator Donald Trump, que está estimulando mais a economia e criando pontos de incerteza na conjuntura.
— Estados Unidos, Europa e Ásia crescem mais do que se imaginava. As incertezas aumentaram com a ameaça de guerra comercial, os conflitos na Síria, e o jeito pouco diplomático do presidente americano — diz Plácido.
O governo dos EUA vai decidir hoje se sairá ou não do acordo nuclear com o Irã. Se sair, serão refeitas as sanções contra o país. Isso poderá tirar um milhão de barris do mercado. A Venezuela já reduziu à metade a sua produção nos últimos anos, para 1,5 milhão de barris. No próximo dia 20, o governo de Caracas fará mais uma de suas eleições manipuladas e desta vez a Casa Branca pode vir a adotar novas sanções contra a Venezuela, que ficaria sem seu maior mercado. Os EUA compram um terço do que a Venezuela extrai. A Arábia Saudita quer continuar cortando a produção e a decisão final será na reunião da OPEP em junho. Por tudo isso, Plácido acha difícil prever uma queda a curto prazo, e lembra que a cada 10% de aumento do preço da gasolina, o índice de inflação no Brasil sobe 0,3%.
O professor Eloi Fernández, da PUC-Rio, acredita que o “shale gas” deve ajudar a limitar os preços do barril no médio prazo. A produção do gás não convencional foi reduzida com a queda dos preços e pode voltar a subir, porque a cotação mais alta torna atrativa a exploração dessa fonte em alguns campos nos EUA.
Aumentou a incerteza mundial um pouco mais. Com o petróleo em alta, inflação sendo estimulada pelo governo Trump, tensões em série no mercado e corte de produção, o risco maior é afetar o crescimento internacional. Em ambiente de crise fica mais difícil para o Brasil corrigir os problemas da economia.
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