- O Globo
Nenhuma causa justifica bloquear combustível, alimentos, deixar hospitais em emergência, adiar cirurgias. É preciso definir limites
O Brasil não pode parar. É uma questão de Estado. Semana que vem, deixo o Brasil por um bom tempo: missão profissional. Já estava acertada desde o início do ano. Passei esses meses, um pouco aos trancos, estudando a história cultural da Rússia. Espero fazer um trabalho interessante.
Mas saio do Brasil com uma pergunta no ar: como é possível impedir que o país pare do novo, como aconteceu na greve dos caminhoneiros? Já escrevi um artigo mostrando a fragilidade do governo. Mas evoluí para considerar que, independentemente da incapacidade do governo, o Brasil não pode parar. É uma questão de Estado.
Do ponto de vista legal, não deveria haver problema. Se um presidente gosta do diálogo e da negociação, ótimo. Mas está fora do seu alcance tolerar uma paralisação nacional que coloque o país de joelhos. Acho que o Brasil tem a obrigação, depois dessa, de formular um plano que impeça o país de parar.
Minha sugestão é um plano que envolva Brasília e estados e que passe por uma simulação. Não há nada de errado em simular. Os japoneses fazem com frequência, para vários perigos em potencial. Aqui, no Brasil, já fizemos simulação de um desastre em Angra. Houve alguns problemas. O pior deles: o policial rodoviário que daria apoio à operação morreu num desastre no perigoso trecho da BR-101.
Deveria ter percebido com mais clareza que as estradas são o nosso ponto fraco. Hoje, fica bastante claro que a opção quase total pelas rodovias nos coloca um problema singular de segurança nacional, não apenas pelas greves, mas diante de um potencial inimigo externo.
Felizmente, as coisas estão voltando à normalidade. Percorri algumas cidades da Serra fluminense, para documentar a epopeia de nossa salada, que sumiu das mesas na primeira semana. Tudo volta à normalidade, mas com um rombo de R$ 75 milhões. Uma normalidade que expôs como o país pode se tornar refém de grevistas.
Não tenho nada contra greves. É razoável que, em certas condições, as pessoas cruzem os braços. Mas paralisando apenas sua atividade, deixando que as outras possam fluir. Simplesmente, recusando-se a transportar sua carga, os caminhoneiros já teriam um enorme poder de barganha. Ao bloquear estradas e refinarias, multiplicaram seu poder. Tornaram-se momentaneamente mais fortes que o Estado brasileiro.
Quando Temer resolveu agir, era tarde demais. A própria ideia de convocar as Forças Armadas naquele momento já tornava a tarefa muito mais difícil. Quando assisti na TV que os militares estavam em dúvida se teriam gasolina para realizar sua tarefa ao longo de estradas bloqueadas e refinarias fechadas, cheguei à conclusão de que é preciso fazer alguma coisa para que isso não aconteça nunca mais.
Nenhuma causa justifica bloquear combustível, alimentos, deixar hospitais em emergência, adiar cirurgias, aterrorizar pacientes que dependem de hemodiálise. É preciso definir alguns limites. Compreendo, também, que às vezes uma greve tem a simpatia popular. Isso é ótimo para ela. Mas, ainda assim, mesmo num caso em que a maioria apoie o bloqueio, ela não tem o direito de impô-lo aos outros.
O que aconteceu com o governo e os políticos demonstra, mais uma vez, que eles vivem num universo paralelo. Não percebem que os gastos monumentais da máquina, inclusive com as mordomias, contribuem com nossa pesada carga tributária. E quando se precisa dela, a máquina entra em pane.
O tamanho dela não cabe no Brasil. É até compreensível ter falhado ao deixar o Brasil parar. Sua lógica cotidiana já é de reduzir o nosso ritmo, ampliar nossa pobreza.
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