- O Estado de S. Paulo
Nunca em nossa história ocorreu um ciclo tão profundo e extenso. Não é nenhum exagero defini-lo como uma depressão econômica.
O governo Temer começou com a esperança de recolocar o Brasil na rota do crescimento, mas terminará com a economia estagnada. Tal afirmação requer fundamentação com base em dados.
Vivemos um ciclo econômico que começou no 1º trimestre de 2014, com uma fase recessiva que durou 11 trimestres, e custou 8 pontos porcentuais do PIB, igualando-se à que, até então, era a mais profunda e mais longa recessão brasileira. Em 2017 o PIB cresceu 1%, iniciando a recuperação, e havia esperança de que ela se aceleraria em 2018. Mas o otimismo foi se esvaindo, sendo muito provável que em 2018 tenhamos novamente crescimento em torno de 1%. Se isso ocorrer, decorridos quase cinco anos desde o início deste ciclo econômico, o PIB ainda estará, ao final e 2018, perto de 6 pontos de porcentagem abaixo do pico prévio. Nunca em nossa história ocorreu um ciclo tão profundo e extenso. Não é nenhum exagero defini-lo como uma depressão econômica.
A expectativa de crescimento foi abalada com o desastre de 17 de maio de 2017, que enterrou a esperança de aprovação da reforma da Previdência – a condição necessária para mudar o crescimento insustentável da dívida pública –, e a pá de cal na recuperação acelerada veio com os efeitos da greve que paralisou a economia em maio último. Buscando corrigir um dos erros do governo anterior – o controle da inflação pela repressão dos preços administrados – o governo liberou a Petrobrás para reajustar os preços domésticos de derivados de petróleo acompanhando os preços internacionais. Em teoria não há nada errado com tal decisão. Mas na prática, qual seria a regra a ser seguida pela Petrobrás?
Ela passou a aplicar uma correção diária aos preços do óleo diesel em um momento no qual havia a combinação perversa de elevação dos preços internacionais do petróleo e de depreciação cambial. Com isso os preços do barril de petróleo em reais cresceram a bagatela de 100% nos últimos 12 meses! Para não perder a perspectiva do que isto representa em termos reais, lembremos que nos últimos 12 meses a inflação foi de apenas 3,5%. Se as refinarias de petróleo fossem privadas, a competição entre elas poderia ter suavizado os reajustes dos preços do diesel, mas a Petrobrás tem o monopólio do refino. Sendo monopolista deveria como ocorre com todas as concessionárias de estradas de rodagem e de geração de energia elétrica, que desfrutam de um monopólio natural, ter a tutela de uma agência reguladora. Esta deveria inibir a exploração do poder de monopólio na fixação dos preços, mantendo o princípio de repasse integral, porém suave, dos preços internacionais para os domésticos.
Em vez de exercer o papel de regulador o governo omitiu-se. Falhou em perceber que a economia estava fortemente deprimida, acarretando a subutilização de uma frota de caminhões superdimensionada devido ao exagero dos subsídios dados pelo BNDES no PSI. A utilização da frota caiu mais de 30% devido à recessão. Nestas condições era impossível repassar os aumentos dos combustíveis para os fretes, estreitando as margens dos transportadores, cujas pressões foram ignoradas pelo governo, que falhou em perceber que esta era uma situação beirando a insustentabilidade. Deveria ter induzido a Petrobrás a suavizar os aumentos de preços sem violar o princípio de que em prazo mais longo haveria o repasse integral aos preços domésticos. Falhou, finalmente, ao tabelar os fretes mesmo diante da oposição da equipe econômica, à qual resta apenas a esperança de que o tabelamento seja declarado ilegal pelo STF.
Este episódio evidencia que não basta que o governo tenha uma competente equipe econômica, como é a atual. Há ações que superam o alcance da técnica fundamentada em bons diagnósticos e em sólida análise empírica, e que requerem legitimidade e capacidade de exercer a liderança política, quer agindo contra quem viola a Lei impondo custos à sociedade, como ocorreu com os caminhoneiros, quer obtendo o apoio político para a aprovação de reformas com base no livre jogo democrático, no qual as coalisões são firmadas em torno de ideias e de propostas em benefício do País, e não em torno de interesses de partidos e de grupos de pressão. Espero que tenhamos aprendido essas lições quando formos às urnas.
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Ex-presidente do Banco Central
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