- O Estado de S.Paulo
Desafio é encontrar candidato fiel à sua agenda e com chance de chegar ao segundo turno
São dias de fortes tremores nas campanhas eleitorais e nos mercados, como já se imaginava. Mesmo com queda na sexta-feira, o dólar fechou a semana passada com uma alta de quase 5%, a maior desde novembro de 2016, e superior a 9% no resultado acumulado do mês de agosto – com o Banco Central de espectador, sem entrar firme para conter essa escalada. A Bovespa subiu 0,31% na semana, mas está 3,73% abaixo do nível atingido no mês anterior e os investidores mantêm-se arredios a assumir posições de grande risco, até que o cenário fique mais claro.
As dúvidas sobre o tamanho da transferência de votos de Lula para seu provável sucessor, Fernando Haddad (PT), e sobre quem pode encarnar o anti-Lula, além do radical Jair Bolsonaro (PSL), embaralham o cenário político e econômico a partir de 2019. E produzem argumentos, alguns até estapafúrdios, para explicar a preferência por esta ou aquela situação.
Nas campanhas que não emplacam, buscam-se os vilões da hora, mais ou menos como a caça aos técnicos quando o time se aproxima da zona do rebaixamento, independentemente da qualidade do elenco. Nos mercados, enumeram-se virtudes e pecados dos candidatos inclusive para, como é da natureza da atividade, lucrar com a especulação.
Mas, afinal, o que querem os mercados? A pergunta é fácil de ser respondida. Em linhas bem resumidas, ajuste fiscal à base de corte de gastos, e não de aumento de impostos, reformas estruturais, principalmente da Previdência e simplificação tributária, novas rodadas de privatizações e concessões. Nada de controles, barreiras e incentivos que, mesmo de leve, lembrem intervencionismo. Mais difícil, porém, é identificar quais os candidatos genuinamente dispostos a aplicar esse receituário e, ao mesmo tempo, com chances reais de saltar para o segundo turno. E é nesse terreno movediço que se processam os abalos nos mercados.
Henrique Meirelles (MDB) seria um fiel cumpridor dessa agenda, mas até agora não saiu de 1%, mesmo se apresentando como representante do governo Lula, que criou 10 milhões de empregos, e da era Temer, que tirou o Brasil da recessão. João Amoêdo (Novo), no mesmo patamar nas pesquisas, vem atuando para dividir esse campo.
Geraldo Alckmin (PSDB) também caminha no trilho pró-mercados, ainda que haja dúvidas sobre o apoio efetivo de parte do Centrão às reformas. O que parece não sair muito do lugar é a intenção de votos no candidato, da ordem de 7%, no cenário com Haddad já oficialmente no lugar de Lula, segundo o Ibope. Tanto assim que, nessa faixa do eleitorado, já há gente se bandeando para os lados de Marina Silva (Rede), cuja dupla responsável pela economia, Eduardo Giannetti e André Lara Resende, é do gosto do mercado. Marina tem a vantagem da menor distância de Bolsonaro (12% x 20% das intenções de votos), mas a desvantagem de uma coligação limitada ao PV e apenas 21 segundos de tempo na TV.
Para esse público, o pavor é Ciro Gomes (PDT) ou Haddad conquistar a segunda vaga no segundo turno. A primeira, indicam as pesquisas, estaria reservada para Bolsonaro. Nessa hipótese, entra em cena aquele ultrapragmático “por que não Bolsonaro?”. Conhecidos empresários, executivos e investidores já se agarram à crença no arrependimento do candidato e empenham-se para descobrir nele uma alma liberal. Enquanto esse jogo não avança, a economia também continua parada – como deve comprovar o desempenho do PIB no segundo trimestre, que será divulgado na sexta-feira. Algo próximo de zero, segundo a maioria das projeções dos analistas.
O mais preocupante é que, desta vez, não parece razoável contar com nada tão impactante quanto a “Carta aos Brasileiros” de 2002, que o PT lançou para afastar os temores dos mercados e dos setores produtivos com a primeira eleição de Lula. Naquele momento, a adesão de uma boa parte do eleitorado já parecia “garantida” e o desafio era conquistar as chamadas elites, mostrando a possibilidade de promover inclusão social sem rupturas na política econômica. Hoje, no entanto, a polarização chegou a um ponto em que muito do que os mercados e os empresários pedem é exatamente o que outros estratos do eleitorado rejeitam. Sem chances à vista de conciliação.
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