- Folha de S. Paulo
Partido afasta aliados com ideias econômicas ruins, lulismo subserviente e laivos autoritários
Não tem cabimento exigir que candidatos e partidos renunciem a convicções. A decisão de rejeitar alianças em nome de purismos tem consequências, porém. O PT opta pelo isolamento, levando Fernando Haddad para a sua margem do rio.
A escolha do insulamento diminui o potencial de votos e a capacidade de organizar um governo viável em termos políticos e econômicos. A candidatura do PT não se ocupou desse problema até a semana passada, quando petistas, em especial haddadistas, temeram derrota precoce.
O PT ignorou ofertas tácitas de alianças que elites econômicas e políticas fizeram circular pela opinião pública --textos e entrevistas publicados na "grande mídia", em redes sociais ou até recados para o entorno de Haddad. "Elites", plural: são diversas.
O PT ignora um eleitorado na maioria favorável à prisão de Lula ou ao impeachment, mas nem sempre antipetista. Metade dos eleitores de Geraldo Alckmin (PSDB) e dois terços dos que votam em Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) optariam por Haddad em uma final contra Jair Bolsonaro (PSL). Mesmo 16% dos bolsonaristas ainda cogitam votar em Haddad no primeiro turno.
O PT fez tais escolhas em uma eleição em que o centro ou a intermediária política se esvaziava. Em atos de campanha, deu mais motivos para ojeriza. Haddad atraiu mais da rejeição do que da simpatia a Lula: 49% dos eleitores não votam em candidato indicado pelo ex-presidente (a rejeição de Haddad passou de 40%); 39% votariam com certeza no indicado por Lula (Haddad não passou de 22% dos votos).
O espectro de alianças possíveis é limitado, decerto. A candidatura tardia de Haddad dificultaria transição transada do petismo duro para um projeto de pacto ou reconciliação nacional, o nome que se dê. O programa de governo do PT é um manifesto repelente de aliados, entre outros motivos porque talhado como um plano de combate contra "golpistas" ou todos que tenham outras ideias sobre a história politica e econômica do país nesta década.
Além do mais, Haddad até agora não quis ser maior do que o PT, lançando-se como líder inovador de várias correntes de opinião do país --talvez seja tarde. Em pesquisas qualitativas, não raro é tido como "pau-mandado".
Apesar de insinuações de "moderação", Haddad deixou que economistas do PT fossem porta-vozes dos seus planos econômicos, reafirmando o programa petista, de baixo nível técnico. Essas ideias causam escárnio, estupefação ou, em alguns, desânimo consternado, reação de elites dispostas a auxiliar um governo Haddad ou simpatizantes.
A ojeriza espalhou-se pelo eleitorado graças a outras erupções cutâneas da doença infantil do isolacionismo. Líderes do partido mencionavam "tomada do poder" quando tratavam do que deveria ser apenas vitória eleitoral. Outros, Haddad inclusive, falavam da Constituinte e de "Lula livre" como tema central da campanha.
Difícil medir o efeito geral de tais proclamações. Mas esses manifestos se propagaram, pois o PT perdeu o monopólio da palavra de ordem disseminada por militantes aguerridos ou fanáticos, ora ainda mais comuns na extrema direita. Entre tanta mentira selvagem contra Haddad, circularam também muitas declarações de petistas que motivaram alertas contra um projeto autoritário do partido.
Enfim, o povo sabe o que é a Venezuela: as pessoas fogem de lá até para a miséria de morar nas ruas do Brasil distante. O PT não entende nem isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário