- O Globo
Qualquer que seja o resultado das eleições de hoje, o país terá aprendido muito sobre os perigos que ainda rondam a nossa democracia
Toda eleição ensina, mesmo que seja pelo avesso. Nem toda eleição constrói um pacto com o futuro. Nesta, qualquer que seja o resultado, teremos aprendido muito sobre os riscos que rondam a democracia. Pastores transformaram igrejas em currais eleitorais. Alguns empresários constrangeram publicamente funcionários. Bolsonaro foi vítima de um atentado que quase tirou sua vida. As mentiras abundantes nas redes influenciaram votos. O PT retrocedeu ao seu nicho. O centro não convenceu. Por outro lado, o país venceu a indiferença em relação à política, e o comparecimento hoje às urnas pode ser muito maior do que o inicialmente previsto.
A democracia brasileira foi desafiada por inúmeros eventos nessa campanha, o pior deles foi a violência física contra o candidato do PSL. Uma das questões postas de forma dramática para o país é o voto evangélico. Muitos pastores reinstalaram o voto de cabresto. Invocaram Deus para que o fiel escolhesse o que eles, os líderes religiosos, acreditam ser o certo. Com isso, 50% do eleitorado evangélico votará em Bolsonaro, pelas pesquisas das últimas horas. Toda tentativa de usar o poder para induzir o voto de eleitores, em qualquer direção, apequena a democracia. A liberdade de culto é sagrada, como a liberdade do voto.
Empresários que ameaçam seus funcionários com o desemprego, como fez Luciano Hang, da Havan, são uma aberração. O crime tem provas, um vídeo em que ele pergunta “você está preparado para perder seu emprego?” Isso aconteceria se a “esquerda ganhar”. Ele vota em Bolsonaro. Hang se aproveita da extrema vulnerabilidade do trabalhador brasileiro no meio da pior crise de desemprego que o país já teve.
O PT perdeu tempo delirando. Achava que conseguiria por imposição externa que o ex-presidente Lula fosse candidato. No último dia legal, anunciou Fernando Haddad, que passou a ideia de ser tutelado. Se for para segundo turno e quiser realmente vencer, precisará ter caminhos de encontrar o centro.
Ciro começou com um discurso econômico que tinha velharias e algumas novidades. Uma das boas ideias foi a de dizer que o governo intermediaria uma renegociação da dívida das famílias. Esse projeto se for mal executado é um desastre, mas parte de uma constatação importante. As famílias, estimuladas a se endividar, foram atingidas por dois sinistros dos quais elas não têm culpa: a recessão e o desemprego. Isso num país de juros bancários abusivos.
Candidatos do centro, como Marina Silva e Geraldo Alckimin, foram sendo abandonados, mas permanece a demanda por uma candidatura que fuja dos polos. Nas horas finais desta campanha, esses eleitores foram em direção a Ciro. “Eu me desloquei e estou pedindo a bola”, disse ele.
O candidato que está na frente nas pesquisas, Jair Bolsonaro, agrediu inúmeras vezes, com palavras inequívocas, a democracia e os avanços civilizatórios, como o respeito às diferenças, diversidade e escolhas individuais. Defendeu a ditadura e exaltou torturador. Está arrastando multidões. Ao mesmo tempo, a pesquisa do Datafolha diz que nunca foi tão forte o apoio à democracia.
Bolsonaro chegou a esse 7 de outubro na melhor posição das pesquisas seguindo um roteiro. Ele viajou pelo Brasil fazendo campanha anos antes de a lei permitir propaganda eleitoral. Captou o sentimento de derrota dos brasileiros diante de problemas como recessão, desemprego, violência e corrupção.
Ocupou as redes sociais com militantes voluntários, pagos ou robôs que multiplicaram a visibilidade do deputado de atuação apagada. Vendeu a ilusão de que com uma arma na mão o brasileiro poderá fazer justiça e consertar tudo o que está errado. Conseguiu capturar o sentimento antipetista. Fez promessas difusas de solução fácil para problemas complexos. Foi dormir ontem sonhando com a vitória no primeiro turno.
A Lava-Jato enfrenta nesta eleição seu maior e mais agudo teste. O que a ameaça vem de dentro, desta vez. Se ela vincular a sua imagem à da extrema-direita vai se apequenar. O único papel que a fortalece é a de continuar sendo um movimento institucional, apartidário, por mudança nas relações entre o público e o privado.
Toda eleição ensina, radiografa a sociedade e alerta. Esta nos mostrou os muitos perigos que rondam a democracia brasileira. Quem for o vencedor hoje, ou no dia 28, só terá chances de ser bem-sucedido se entender a opção brasileira pela democracia. Essa foi a escolha que já fizemos.
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