César Felício | Valor Econômico
SÃO PAULO - O primeiro teste do governo de Jair Bolsonaro está marcado para o início de fevereiro, quando as mesas diretoras do Senado e da Câmara serão eleitas. É aí que a estratégia usada para montar o ministério, uma pista de como ele pretende governar, terá que mostrar sua eficácia.
O presidente eleito adotou três eixos na montagem da equipe: interlocução direta com bancadas "transversais" no Congresso, diminuindo o poder dos partidos que o apoiam; criação de superestruturas, como a da Economia; e nomeação de militares de alta patente para cargos relevantes.
A forma de se relacionar com o Congresso é inédita. Pela primeira vez, bancadas setoriais têm não só o poder de indicar ministros, mas também de vetar nomes. A ruralista, por exemplo, indicou a deputada Tereza Cristina (DEM) para a Agricultura e o futuro ministro Luiz Carlos Mandetta foi indicado pela bancada da saúde. Já a evangélica impediu a nomeação do especialista Mozart Ramos para a Educação. O indicado foi o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme)
O risco dessa opção é que bancadas "transversais" só atuam de forma coordenada em demandas específicas. Suprapartidárias, elas não são garantia de unidade em temas econômicos, como a reforma da Previdência, cuja aprovação exige os votos de três quintos dos deputados e senadores, em duas votações. Na disputa das mesas diretoras, elas têm pouca influência.
A possível reeleição de Rodrigo Maia (DEM) para a presidência da Câmara e a vitória de um emedebista para o comando do Senado, uma vez que o MDB possui o maior número de senadores, poderão significar o fracasso do plano de Bolsonaro. A história mostra que é difícil governar sem o apoio dos presidentes das duas Casas.
A figura central na esfera militar é o general Augusto Heleno, que dá ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) uma dimensão muito maior que a habitual. Ele já deu diversas demonstrações da ascendência que exerce sobre o presidente eleito. Sua presença no Palácio do Planalto é vista como "estabilizadora". Outro general que desempenhará papel relevante no governo é o vice-presidente, Hamilton Mourão, a quem Bolsonaro deu a inédita atribuição de coordenação dos ministérios, função que sempre coube à Casa Civil.
Estratégia de Bolsonaro contorna partidos
O presidente eleito Jair Bolsonaro segue três estratégias para a montagem de seu ministério: a criação de superestruturas, o protagonismo das Forças Armadas, sobretudo do Exército, e a diminuição do poder dos partidos, buscando pontes diretas com setores da sociedade e com bancadas transversais no Congresso. É um desenho inédito na história brasileira sob Estado de Direito, com consequências imprevisíveis no Legislativo.
O governo que mais se aproximou deste esquema de Bolsonaro foi o de Fernando Collor (1990-1992), ainda que as diferenças entre um e outro sejam significativas. Também Collor montou um Ministério da Economia, entregue à economista Zélia Cardoso de Mello, mas não há como compará-la a Paulo Guedes. Ela não teve a carta branca que Guedes recebeu para preencher a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES, o Ipea, a Petrobras.
Guedes não só terá mais poder do que Zélia teve como se relaciona com o presidente de maneira diferente. O economista com formação em Chicago deu um lastro de credibilidade a Bolsonaro no mercado financeiro ao entrar na campanha, em novembro do ano passado. No caso de Zélia era o inverso, ela recebia credibilidade do presidente que a empoderou.
O futuro ministro da Economia desta maneira é um dos eixos da estratégia de Bolsonaro de estabelecer pontes diretas para fora do mundo político. Collor tentou isso também nos anos 90 com outros ministros, mas de maneira bem mais acanhada. Ozires Silva, o ex-ministro de Infraestrutura, atraía uma parte do empresariado, mas não se comparava a Sergio Moro, que chefiará um Ministério da Justiça vitaminado e que liga Bolsonaro ao sentimento pró-Lava-Jato, um dos mais fortes motores políticos da sociedade no momento.
No governo Collor não havia bancadas transversais no Congresso com a mesma força que existem hoje e o sistema partidário era bem mais sólido. Bolsonaro as fortaleceu de modo inédito. Pela primeira vez no Brasil bancadas como a dos ruralistas tiveram não só o poder de indicar um ministro (Tereza Cristina, da Agricultura e Luiz Carlos Mandetta, da Saúde) mas de fazer vetos, como foi o caso da bancada evangélica, que impediu a nomeação do especialista Mozart Neves Ramos para a pasta da Educação. O escolhido atende à linha ideológica do ministério, já presente na escolha para o Itamaraty, Ernesto Fraga Araújo: o professor colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, radicado no Brasil desde os anos 70, professor emérito da Escola de Estado Maior do Exército (Eceme) e autor de um livro contra o PT.
As bancadas transversais normalmente não atuam de forma coordenada e em demandas que não lhes sejam específicas, ainda que alguma convergência haja entre os segmentos da bala, evangélico e ruralista. A questão é se substituirão partidos no momento em que Bolsonaro for votar temas amargos de sua agenda administrativa. O primeiro teste desta estratégia será a eleição das mesas diretoras da Câmara e do Senado.
Qualquer resultado diferente da reeleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara e de um emedebista para o comando do Senado indicará que os partidos perderam, além do voto popular, também a influência do Poder Legislativo. Uma vitória de Maia e do MDB poderá significar o fracasso da estratégia bolsonarista e a rendição do governo a algum grupo que demonstre controlar o Congresso.
A figura central na esfera militar é a do general Augusto Heleno, que dá ao GSI uma dimensão muito maior do que a natureza do cargo. O general Heleno já deu diversas demonstrações da ascendência que exerce sobre o presidente eleito. A institucionalidade, contudo, confere mais poder ao general Mourão, o vice-presidente eleito. O general Mourão disse ter recebido poderes de coordenação dentro do governo. A se confirmar, se tornará um dos vices mais poderosos da história, comparável a José Alencar, que foi ministro da Defesa de Lula e Michel Temer, por alguns meses coordenador político do governo Dilma, o tempo suficiente para repassar o mapa das posições no Legislativo. É diferente de ser um vice influente, como foi o discreto Marco Maciel, atuante na aprovação de reformas durante o governo Fernando Henrique.
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