O valor simbólico do novo acordo de livre comércio entre Brasil e Chile vai muito além dos benefícios materiais esperados para os dois países. Do lado brasileiro, é a reafirmação de um novo rumo para a diplomacia comercial, agora voltada, segundo o presidente Michel Temer, para uma ampla integração nas cadeias globais de negócios. Mais abertura e menos protecionismo devem ser marcas dessa nova orientação, ressaltou o presidente em artigo escrito para o Estado. Do lado chileno, é mais um passo de uma estratégia há muitos anos convertida em política permanente, como declarou o ministro de Relações Exteriores do Chile, Roberto Ampuero, segundo o jornal Valor.
Essa política, mantida no Chile por governos ideologicamente distintos, tem sido, de acordo com o ministro, um eficiente mecanismo para o desenvolvimento e a redução da pobreza. Estará o presidente eleito, Jair Bolsonaro, disposto a sustentar a diplomacia econômica de seu antecessor?
O candidato Bolsonaro defendeu na campanha a multiplicação de parcerias comerciais, sem as limitações diplomáticas da fase petista. Falta saber se haverá restrições ideológicas de outra cor. Para avaliar a questão, vale a pena lembrar a coincidência de dois eventos da quarta-feira passada. Enquanto se reuniam em Santiago presidentes e ministros do Chile e do Brasil, exibia-se em Genebra, na Organização Mundial do Comércio (OMC), um novo capítulo da briga iniciada pelo presidente Donald Trump ao impor barreiras a importações de aço e alumínio.
Atendendo a demandas apresentadas por China, União Europeia, Canadá, México, Rússia, Turquia e Noruega, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ordenou investigações para determinar se são legais as barreiras impostas pelo governo Trump sob alegação de interesse da segurança nacional. A delegação americana classificou como inaceitável a investigação e ameaçou a entidade. Segundo os americanos, a iniciativa pode “minar a legitimidade do mecanismo de disputa da OMC e até a viabilidade da OMC como um todo”.
Rejeitar regras e até ameaçar os organismos internacionais têm sido uma das marcas de Donald Trump. Bolsonaro já deixou clara sua admiração pelo presidente americano, afirmada também pelo diplomata escolhido para ser chanceler do próximo governo.
Se dominar a diplomacia brasileira, essa afinidade negará a política de abertura e de integração do presidente Michel Temer. Mais do que trocar concessões e participar de cadeias produtivas, integração envolve a disposição de agir segundo regras aplicáveis a todos os membros e elaboradas com a mais ampla participação. As da OMC são o melhor exemplo. Aderir a um sistema desse tipo é também um compromisso com a civilização.
O Brasil nunca renegou a ordem regulada pela OMC, a mais adequada, até hoje, a um sistema razoavelmente disciplinado, eficiente e equitativo. A diplomacia brasileira falhou, sim, no período petista, principalmente ao limitar a participação do País nos muitos acordos de alcance regional, inter-regional e bilateral negociados enquanto a Rodada Doha permanecia emperrada.
O presidente Michel Temer está tentando repor o País no caminho adequado e assim ampliar e diversificar suas parcerias. Para isso foi necessário, com a cooperação argentina, reconduzir o Mercosul à vocação de bloco voltado para a inserção global.
Conversações preliminares foram abertas com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano, Marrocos, Tunísia e Associação Europeia de Livre Comércio, formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. As negociações com a União Europeia prosseguem.
O novo acordo com o Chile, bem mais ambicioso que o já estabelecido pelo Mercosul, vai além das questões tarifárias e envolve, entre outros temas, serviços, comércio eletrônico, oportunidades para microempresas e facilitação de comércio. É um passo para um acordo com a Aliança para o Pacífico, formado por Chile, Peru, Colômbia e México. É um pragmatismo comprometido com a civilização e a globalização. Sua manutenção a partir de 1.º de janeiro é incerta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário