Telegramas revelam negociações sigilosas entre Brasil e Cuba sobre o Mais Médicos
Embora não tenha necessariamente descumprido leis, o governo Dilma Rousseff (PT) violou normas da boa convivência democrática ao criar o Mais Médicos. É o que se conclui de revelações desta Folha acerca do nascedouro da iniciativa.
Conforme reportagem publicada na terça-feira (20), telegramas da embaixada brasileira em Cuba apontam que o programa foi proposto por autoridades da ditadura caribenha e já era negociado entre os dois países pelo menos um ano antes de Dilma apresentá-lo ao público, na esteira da onda de manifestações de rua de 2013.
Todas as tratativas se deram de forma sigilosa e com vistas a evitar que a discussão passasse pelo Congresso Nacional, onde certamente haveria polêmica, a começar pelas reações corporativas.
Os relatos que agora vêm à tona não implicam que o Mais Médicos seja inteiramente ilegal ou que não constitua uma resposta válida ao problema, real e relevante, da falta de profissionais de saúde em áreas remotas ou periféricas.
Mostram, entretanto, que o governo petista, contrariando os imperativos da transparência e da separação dos Poderes, conduziu negociações secretas com Cuba —sem que houvesse necessidade premente de fazê-lo— e tramou para não levar ao Legislativo matéria que lhe seria própria.
Chama a atenção, em particular, o fato de que a participação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no programa só se concretizou nos derradeiros momentos.
A entidade ingressou como intermediária —em troca de uma comissão, é claro— num contrato de prestação de serviços médicos. Sem isso, a operação estaria caracterizada como um acerto entre os dois países, o que exigiria a formalização do entendimento e a aprovação do Congresso.
Os despachos que passaram pela embaixada também indicam que houve intensa negociação em torno do preço que Brasília pagaria para trazer cada médico. Esse dado serve ao menos para afastar a versão de que tudo não passaria de complô ideológico com o intuito de transferir fundos para Havana.
Mais complicada se mostra a condição imposta por uma autoridade cubana, ainda em 2012 —o Brasil deveria impedir que os profissionais cedidos pela ilha eventualmente desertassem durante sua estadia aqui ou ao término do programa.
Se os representantes do governo Dilma de fato assumiram um compromisso nesse sentido, há razões para questionar se não infringiram normas do direito ao asilo. Não cabe estabelecer a priori, afinal, que alguém a requisitar proteção não cumpre as exigências para obtê-la.
Quaisquer que sejam as interpretações das regras, todavia, a estratégia furtiva adotada sugere o temor do questionamento democrático a uma política pública.
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