sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A montagem de um governo sem o toma lá dá cá: Editorial | O Globo

Bolsonaro tenta escapar da barganha clássica, mas há o perigo do fisiologismo de cunho ideológico

Oriundo do baixo clero da Câmara, sem trânsito nas cúpulas dos grandes partidos, e com o compromisso de fazer o oposto do PT e governar sem exercitar o toma lá dá cá do fisiologismo, o presidente eleito Jair Bolsonaro tem conseguido montar uma equipe de qualidade, aparentemente sem concessões.

Dois destaques estão nos núcleos que enfrentarão os mais graves problemas que ameaçam a sociedade e o Estado, as crises econômica, de segurança e de ética na vida pública, com a escalação do economista Paulo Guedes e do juiz Sergio Moro, para os superministérios da Economia e da Justiça. Há também o deputado Onyx Lorenzoni (RS), ministro da Casa Civil, responsável pela tarefa importante de redesenhar a estrutura do Estado.

Para escapar da velha tradição do fisiologismo, tragicamente reforçado nos 13 anos de poder do lulopetismo, Bolsonaro tem contornado a cartolagem partidária e mantido contato direto com corporações, grupos e bancadas setoriais. Foi assim na escolha para o Ministério da Agricultura da deputada Tereza Cristina (RS), conectada a ruralistas no Sul, bem como na escalação de generais do Exército, sua origem, para postos-chave como Defesa — Fernando Azevedo e Silva, que rompe a tradição de ministros civis no cargo —, e, na vice-presidência, o quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão. Estes são casos evidentes, mas há outros.

Não se deve imaginar, de forma ingênua, que se possa montar um governo solto no ar, sem qualquer sustentação política. O ex-presidente Fernando Henrique, por saber da impossibilidade de um governo à esquerda governar, na democracia, sem alianças à direita, atraiu o PFL, origem do DEM. O PT fez o mesmo, mas perdeu-se no exercício do fisiologismo e terminou patrocinando o escândalo histórico de corrupção do petrolão. Motivo da prisão de Lula, fato histórico ocorrido com um ex-presidente.

O mesmo DEM está presente na equipe de Bolsonaro em pelo menos dois cargos importantes, o de Tereza Cristina e na Casa Civil, de Lorenzoni. Tudo muito natural.

Bolsonaro tem compromissos ideológicos claros, como Lula, e que podem legitimamente ser cumpridos. A escolha do embaixador Ernesto Araújo para as Relações Exteriores é claro exemplo de aceno do presidente eleito a grupos ultraconservadores que o apoiam, simpatizantes do nacional-populismo xenófobo de Trump e de lideranças europeias.

O curto-circuito na indicação de Mozart Neves Ramos para o Ministério da Educação, bombardeada pelos evangélicos bolsonaristas, também é emblemático. Diretor do Instituto Ayrton Senna, ligado ao movimento Todos pela Educação, Mozart tem qualificação para o cargo.

Mas não agrada aos defensores da ideia equivocada do Escola Sem Partido e de outros projetos conservadores que podem atrasar ainda mais a modernização do ensino público brasileiro.

FH e Lula governaram com modelos de coalizão diferentes. No caso de Bolsonaro, ele faz bem ao tentar adotar um outro, mas que ele não fique subordinado à visão sectária de grupos. O toma lá dá cá ideológico também é perigoso.

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