- Folha de S. Paulo
É natural e desejável que crianças sejam expostas a novas ideias à medida que crescem
Imagine, leitor, uma família obstinadamente comunista. As crianças nela nascidas não recebem nenhum sacramento e, em vez de ser acalentadas ao som de canções de ninar, são embaladas pelos acordes da Internacional. Desde cedo, são iniciadas nos dogmas do leninismo e privadas de quaisquer referências fora do círculo marxista. Crescem convencidas de que a propriedade privada é um roubo e de que a história só avança por meio de revoluções.
Mais tarde, na escola, um desses pequenos experimentos da engenharia sociofamiliar tem aulas com um professor religioso e é apresentado às Escrituras. Fica maravilhado com o novo mundo que se lhe descortinou, converte-se e passa a viver como um temente a Deus, abandonado as teorias que lhe foram impingidas por seus pais.
Inventei essa historieta para discutir a tese de que os pais têm direito de determinar a educação religiosa e moral que seus filhos receberão, que consta da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 12, IV) e é um dos pilares do Escola sem Partido. Até acho que isso possa valer como uma diretriz geral para crianças pequenas, mas só para as pequenas.
À medida que os filhos crescem, é natural e desejável que sejam expostos a outras ideias, inclusive àquelas que seus genitores veem como ofensivas. É só assim que indivíduos podem tornar-se sujeitos autônomos. Não importa qual encarnação do jovem de nossa historinha você prefira, é a segunda que corresponde à sua escolha pessoal —e ela só foi possível porque, em algum momento, o suposto direito dos pais de definir os conteúdos que entrarão na mente de seus filhos foi violado.
Se o Escola sem Partido fosse movido pela coerência e pela honestidade, deveria estar propondo uma PEC para abolir o ensino religioso no ensino fundamental público. Afinal, a religião, como a ideologia, deve estar tão longe quanto possível dos bancos escolares.
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