Às vésperas de o Senado analisar a realização do leilão do óleo excedente do contrato de cessão onerosa da Petrobras, volta ao debate o marco legal da exploração do petróleo do pré-sal. Estima-se que o leilão pode render ao governo de R$ 60 bilhões a R$ 100 bilhões, conforme o modelo de exploração adotado. O valor apurado deve ficar na faixa inferior se for o de partilha, atualmente em vigor para o pré-sal, ou subir significativamente no caso de concessão, que é adotado no caso de áreas tradicionais e em terra. O presidente eleito Jair Bolsonaro já manifestou anteriormente a intenção de realizar apenas concessões e agora acena com a concessão de vantagens financeiras extras aos Estados e municípios em troca de apoio a seus planos de mudança.
A discussão faz sentido do ponto de vista técnico e financeiro, mas geralmente acaba distorcida pela disputa ideológica. Até 2010, o Brasil adotou apenas o modelo de concessão. A descoberta das reservas do pré-sal em 2006 levou o governo do PT a mudar as regras do jogo e aplicar o regime de partilha para a exploração do combustível. Na simplificação resultante da polarização ideológica, a concessão seria mais atraente para as companhias exploradoras, porque passam a ser donas da produção durante um período combinado e, portanto, se dispõem a pagar mais, aumentando os ganhos do governo. Já a partilha, como argumentou o PT na época, dá ao país maior domínio sobre a produção e a política industrial. A mudança de regra feita por Lula veio com a imposição da Petrobras como única operadora, com participação mínima de 30% nos consórcios de exploração, reforçando o governo.
Levou algum tempo para a modelagem ser concluída e ela só saiu do forno em 2010. Levou mais três anos para a realização do primeiro leilão nos novos moldes, que só foi ocorrer em 2013, com a oferta do campo de Libra, disputado por apenas um consórcio. O resultado foi considerado um sinal de que o mercado não digeriu bem a novidade. As águas só foram testadas novamente em 2017, depois que foi retirada a obrigatoriedade da participação da Petrobras como operadora única de todos os consórcios, nas segunda e terceira rodadas do pré-sal. O resultado foi considerado positivo e seis áreas foram arrematadas, engordando os cofres do governo em R$ 6,15 bilhões em bônus de assinatura. Grandes petroleiras voltaram ao Brasil, inclusive a ExxonMobil.
Como o Valor informou, Bolsonaro pretende patrocinar a mudança do marco legal do pré-sal para aumentar a arrecadação, encaixar mais recursos e tentar cumprir a promessa de campanha de zerar o déficit público em um ano. Para obter apoio do Congresso à proposta, se dispôs a distribuir parcela maior da receita obtida a Estados e municípios. No entanto, a atual equipe econômica receia que uma mudança de regras atrase o processo, leve o projeto de volta para Câmara e diminua o montante recebido pela União. O tema é controvertido e pode realmente levar o debate à estaca zero no Legislativo e no Tribunal de Contas da União (TCU). Se isso ocorrer, o leilão não poderá ser feito no início de 2019, como se esperava, complicando o cumprimento da "regra de ouro".
De outro lado, há o receio de que Estados e municípios encarem a distribuição de mais recursos como sinal para gastar mais, caso não sejam impostas contrapartidas de ajuste fiscal. A realidade é que Estados e municípios estão ávidos por recursos e contam com apoio do Congresso. No entanto, a transferência de parte da receita do leilão aos Estados e municípios tem uma limitação: o teto de gastos da União, instituído pela Emenda 95/2016. Do ponto de vista contábil, os recursos ingressarão primeiro nos cofres do Tesouro. Depois, a União transferirá a parte que caberá aos governos estaduais e prefeituras.
O problema é que a transferência dos recursos será mais uma despesa da União que não está excluída da base de cálculo do teto de gastos. Apenas as transferências constitucionais foram excluídas. Mas não se pode menosprezar a imaginação dos senadores que já fizeram 15 emendas ao projeto do leilão da cessão onerosa do pré-sal, praticamente todas destinando mais recursos a Estados e municípios por meio de mecanismos engenhosos. A maior parte delas passa pelo uso do Fundo Social, criado para garantir que parte dos recursos do pré-sal seja destinada à Saúde e Educação. É importante evitar que o uso desse dinheiro seja desvirtuado e desviado de suas finalidades originais e que sejam exigidas contrapartidas dos Estados e municípios.
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