O presidente Jair Bolsonaro fugiu de um discurso pacificador e de conciliação com as forças políticas que derrotou nas urnas e optou mais uma vez por ressaltar as bandeiras de campanha que o elegeram. Nas duas ocasiões em que discursou no dia de sua posse, a agenda econômica ocupou um papel subalterno, com formulações genéricas, diante da assertividade agressiva com que destacou suas prioridades ideológicas.
Seus primeiros discursos oficiais apresentaram um "pacote" integrado de diretrizes para resgatar o Brasil da crise "ética, moral e econômica". Deixou claro que para ele a tarefa de mudar e reconstruir a economia é inseparável de transformações de políticas públicas amplas, nas quais a matriz conservadora de seu governo será perseguida com a intensidade que lhe for possível.
Bolsonaro afirmou que fará reformas estruturantes - não citou nenhuma - e comprometeu-se com a austeridade nas contas públicas, ao apontar que "o governo não gastará mais do que arrecada", garantirá a propriedade, os contratos e o livre mercado. "Na economia traremos a marca da confiança, do interesse nacional, do livre mercado e da eficiência", disse em pronunciamento no Congresso Nacional.
O presidente reafirmou "compromisso de construir uma sociedade sem discriminação ou divisão" e mais tarde, em discurso no Parlatório do Palácio do Planalto, disse que as mudanças que pretende realizar serão feitas "respeitando os princípios democráticos e guiadas por nossa Constituição". No entanto, os pontos mais enfáticos dos dois discursos sugeriram que a convivência entre seus objetivos e os princípios democráticos poderá ser conflituosa, o que não é um bom sinal e aponta para desgastes de sua força política em torno de questões de segunda importância ou mesmo inexistentes.
"Hoje é o dia em que o povo brasileiro começou a se libertar do socialismo", disse o presidente a uma multidão de 115 mil pessoas - segundo o Gabinete de Segurança Institucional -, que se aglomerava na Esplanada. Antes, no Congresso, registrou que seu objetivo será "unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores". "O Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas", concluiu.
O Brasil nunca foi um país socialista e as amarras ideológicas a que Bolsonaro se referiu são as dos anteriores governos petistas. O presidente tem outras preferências ideológicas. Ele se propõe a acabar com a "ideologização de nossas crianças", alusão a iniciativas como a Escola sem Partido, e com o "desvirtuamento dos direitos humanos", "a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais". Para tornar o Brasil um "país respeitado", disse que será necessário "tirar o viés ideológico de nossas relações internacionais". Por muito tempo o Brasil teria atendido interesses partidários que não seriam os seus. Bolsonaro também afirmou que vai impedir que "ideologias nefastas venham a dividir os brasileiros", destruir "nossos valores e tradições e nossas famílias, alicerce da nossa sociedade".
Ao lado das bandeiras conservadoras que o elegeram, o presidente retornou aos palanques eleitorais com afirmações levianas, sugerindo que o lamentável atentado contra sua vida não foi ato de um desequilibrado, mas de "inimigos da pátria, da ordem e da liberdade". Ou ao preferir slogans como o de que "nossa bandeira jamais será vermelha" e que defenderia com seu "sangue" o pavilhão verde-amarelo.
Bolsonaro pediu o apoio do Congresso para "reerguer nossa pátria", aprovando medidas que visem pôr fim à corrupção e aumento da criminalidade. Ao mesmo tempo, apontou que montou uma equipe técnica, "sem o tradicional viés político que tornou nosso Estado ineficiente e corrupto". E com alguma sutileza, indicou que o Congresso faria bem em se alinhar com aquele a quem o povo elegeu com clara margem, pois este seria o caminho para o resgate de sua legitimidade e credibilidade.
Afora o tom dos discursos, mais de espírito de palanque eleitoral do que de estadista, neles não apareceram detalhes sobre o que fará na Presidência. Sabe-se o que já se sabia e é positivo: será um governo voltado ao combate à corrupção e à realização de reformas para destravar a economia e consertar as contas públicas. Bolsonaro pode, porém, tornar mais difícil alcançar estas metas se levar a ferro e fogo sua polêmica agenda ideológica, que muitas vezes parece desferir golpes em moinhos de vento.
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