Eleitos como paladinos da moralidade, os Bolsonaros têm de dar justificativas para o caso da movimentação financeira
O presidente Jair Bolsonaro e sua prole se elegeram no ano passado, com robusta votação, prometendo acabar com os velhos vícios da política. Em 2017, por exemplo, o patriarca da família chegou a divulgar na internet um vídeo, gravado ao lado do filho Flávio Bolsonaro, para criticar “essa porcaria de foro privilegiado” - que serviria, em sua opinião, para proteger políticos corruptos. Em outras ocasiões, os Bolsonaros usaram as redes sociais para atacar políticos que, segundo eles, só queriam se eleger para se abrigar da Justiça. Por esse motivo, não deixa de ser irônico que o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) esteja agora a reivindicar para si o foro privilegiado, no nebuloso caso das movimentações atípicas na conta bancária de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendesse a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre essas movimentações, ocorridas entre 2016 e 2017, quando o senador eleito ainda era deputado estadual no Rio. No pedido, Flávio Bolsonaro alega que o Ministério Público solicitou indevidamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) acesso a suas informações bancárias sigilosas e que, por ser senador eleito, seu caso teria de ser analisado pelo Supremo. Parece, no entanto, que há uma discrepância de datas que anularia o argumento. Além disso, ele pede a anulação das provas colhidas. Poucas horas depois de receber o pedido, o ministro Luiz Fux, na condição de plantonista do Supremo, concedeu liminar ao senador eleito e mandou interromper as investigações.
Tudo nesse caso é estranho. Flávio Bolsonaro nem sequer é formalmente investigado - foi justamente isso o que ele declarou quando veio à luz o caso de Fabrício Queiroz, dizendo que quem tinha de se explicar era o ex-assessor, e não ele. Além disso, Flávio Bolsonaro não poderia requerer foro privilegiado porque, conforme decisão do Supremo, só tem esse direito o parlamentar cujo processo diga respeito a crimes cometidos durante seu mandato e em função dele - e Flávio Bolsonaro nem tomou posse ainda.
Mesmo assim, em vez de simplesmente ignorar a reclamação, por sua evidente implausibilidade, o ministro Luiz Fux achou que era o caso de conceder a liminar. O magistrado disse ver necessidade “urgente” de suspender a investigação, sem que absolutamente nada justifique tal sofreguidão - afinal, o recesso judiciário termina daqui a poucos dias, em 1.º de fevereiro.
Além disso, atropelou a própria jurisprudência do STF, construída inclusive com seu voto, a respeito dos limites do foro privilegiado. O ministro Fux aceitou a alegação de Flávio Bolsonaro de que o Supremo deve decidir se tem ou não competência para cuidar desse caso, pois, “deveras, o reclamante foi diplomado no cargo de senador da República, o qual lhe confere prerrogativa de foro perante o STF”. Temos aí mais um caso de jurisprudência ao gosto do freguês.
Do ponto de vista político, o episódio é todo ele desastroso para os Bolsonaros. Desde que o caso de Fabrício Queiroz foi revelado, o presidente e seus filhos parlamentares recorreram a explicações que nada explicam, autorizando todo tipo de especulação. Nem Flávio Bolsonaro nem Fabrício Queiroz se dispuseram a prestar os esclarecimentos requeridos pelo Ministério Público, o que poderia dirimir as muitas dúvidas que pairam sobre essa história.
É direito de ambos calar, mas o silêncio ou as explicações insuficientes - e agora a tentativa de Flávio Bolsonaro de manobrar para obter foro privilegiado - só se prestam a alimentar a maledicência e têm o potencial de elevar um caso aparentemente menor à categoria de crise de governo.
Os Bolsonaros dizem e repetem que nada têm a esconder. Se é assim, quanto mais rapidamente vierem a público as justificativas adequadas para a estranhíssima movimentação de R$ 1,2 milhão em apenas um ano na conta do modesto motorista de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, melhor será para todos - especialmente para aqueles que foram eleitos como impolutos paladinos da moralidade pública.
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