sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Tolice soberana: Editorial | Folha de S. Paulo

Como esperado, governo Bolsonaro retira o Brasil de pacto global sobre migração

Por se tratar de uma área da administração pública em que se podem tomar medidas concretas sem custo orçamentário, a política externa tem sido, nestes primeiros dias de mandato, o terreno preferencial para o governo Jair Bolsonaro (PSL) marcar posições.

Em consonância com a visão do chanceler Ernesto Araújo de que a diplomacia “estava presa fora do Brasil”, o governo anunciou na terça-feira (8) a retirada do país do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, firmado no âmbito das Nações Unidas com o objetivo de coordenar os fluxos migratórios.

A decisão, já esperada, ecoa o pior do discurso nacionalista da gestão, que tem no novo chefe do Itamaraty seu expoente. Afinal, soaria como um contrassenso manter-se em algo que leva “global” no nome, dada a verdadeira paúra que Araújo nutre pelo chamado “globalismo” e fantasmas semelhantes.

Para justificar a saída brasileira, Bolsonaro afirmou que o país “é soberano para decidir se aceita ou não migrantes” e “não será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros”.

Não por acaso, o raciocínio tosco é o mesmo usado por Donald Trump para os Estados Unidos não aceitarem nem mesmo participar das negociações que antecederam a elaboração do documento. Não se disfarça a imitação das atitudes de Trump no plano externo —e quase todas elas levam ao isolamento e à rejeição ao diálogo.

O argumento contra o pacto se desfaz logo de partida pelo fato singelo de que este não tem força vinculante, ou seja, nenhum dos países signatários está obrigado a cumprir com suas diretrizes.

Ademais, um dos princípios expostos no texto é justamente o da soberania nacional. Diz-se que “os Estados poderão definir o status migratório regular ou irregular, inclusive decidir com que medidas legislativas e normativas aplicarão o pacto mundial”.

O que parece desagradar ao governo Bolsonaro no documento é a constatação, até óbvia, de que nenhum Estado pode abordar a migração de maneira solitária, uma vez que não raro demandam-se soluções de caráter transnacional.

Esse é o caso da atual crise migratória na fronteira com a Venezuela, decorrente do ingresso de cidadãos do país vizinho que fogem da catástrofe econômica imposta pela ditadura de Nicolás Maduro. O êxodo afeta ainda a Colômbia, que já recebeu mais de 1 milhão de venezuelanos —ante cerca de 50 mil em território brasileiro.

Espera-se que a rejeição tola a um consenso internacional sobre política migratória, por ora simbólica, não implique renunciar à histórica assimilação de comunidades estrangeiras que chegam ao Brasil.

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